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quinta-feira, outubro 06, 2011

OLHEM E NOS OUÇAM.


A MENSAGEM DO SR. STEVES JOBS.


Muitas entrevistas concedi (não me esquivarei de nenhuma que se me ofereça) falando de como convivo com o câncer de que padeço, a pergunta mais comumente feita é: como você passou a encarar a vida depois da constatação da doença?  
Minha resposta: “Agora estou plenamente livre para fazer as escolhas principais da minha vida. Nenhuma lamentação a fazer, mas a realidade do câncer me comunicou com duríssima clareza a palavra inédita que por toda vida esperei e soube que um dia a ouviria. Estou dizendo do estado de consciência da fragilidade a que estou submetido quanto a estar vivo ou não logo amanhã”.
E garanto, não são palavras de efeito para causar impacto visto tal quase não me importa mais. Importante mesmo é que preciso me colocar a serviço de alguma coisa maior a favor de todos os doentes pacientes de câncer no Amapá, pelo menos.  
Acredita-se ou credita-se ao câncer pelo menos um bilhão de anos de existência, a partir de duplicação descontrolada de protozoários. Muito antiga também tem sido a busca da ciência e da medicina por seu domínio e cura conseqüente. A medicina avançou muito, lançou luz e muito mais segurança na identificação, trato cirúrgico e clínico dos cânceres em geral. A rádio e a quimioterapia são cruéis “diplomas” do muito que a medicina e a ciência fizeram em favor dos doentes portadores de câncer. É muito mesmo.  
Atualmente faço tratamento quimioterápico, a cada 15 dias vejo-me submetido a uma seção de aplicação que se prolonga por duríssimas quarenta e seis horas, a partir daí distribuindo seus efeitos necessários e benéficos em meu corpo. Porém, cruel e duríssima porque no geral ela me impõe dores no corpo, esquentamento e dormência nas extremidades dos meus membros superiores e inferiores (braços e pernas), alteração drástica dos sentidos, soluço, pequenos espasmos e, pior: no plano emocional todo tipo de pensamentos, medos, incertezas e planos tem me ocorrido – quase tudo muito assustador.
Agora mesmo, enquanto estou nas ultimas horas da quarta seção quimioterápica (12 previstas) acompanho na televisão as circunstancias de vida e morte do genial Sr. Steve Jobs, desde 2004 lutando contra o câncer que hoje o venceu.
Ele é protagonista principal da imensa genialidade criativa do homem em todos os tempos. Sabemos todos que dos seus inventos resultou uma histórica partilha de épocas da humanidade: antes e depois. Tudo ele fez de grandioso na medida do que imaginou e por isso fez-se muito rico, merecidamente. Certamente tinha ao seu alcance a melhor medicina do mundo, e complementarmente podia privar da amizade ou do convívio dos grandes cientistas do mundo... mas foi vencido pelo câncer que o acometia.
O que, então, podemos imaginar os que estamos doentes de câncer nessa “periferia” nacional que é a Amazonia brasileira, especialmente nós no Amapá? Em que medida nos tem o país, aqui desconsiderando a vigilância severa que nos impõe quanto a conservação florestal, animal e ainda timidamente sobre o uso que fazemos da água? Tudo isso correndo à conta do pouquissimo valor que se dá ao homem nativo ou residente aqui.
Tudo por aqui tem sido muito esforço para superar carências: emblematicamente não se consegue, há anos, dar funcionalidade ao elevador do Hospital Geral, que conduziria os doentes ao UNACON (Unidade de Oncologia), onde se acha instalado o único serviço publico de quimioterapia (ainda não se faz radioterapia oncológica no estado). Muitas outras necessidades são presentes e paralelas à luta que cada de nós trava contra a doença instalada. Pessimismo é o que não nos cabe de jeito nenhum, mas já nos causa pavor esperar, esperar, esperar quando esperançar é o remédio mais eficiente que precisamos ter ao alcance.
Mas, pelo menos para mim, tem sido válida essa espantosa experiência. O pouco tempo no pós operatório e de convalescença já me levou a constatações que me impõem compromissos (escolhas)., eis algumas delas: o poder publico no Amapá tem que enxergar as nossas limitações, admití-las como realidade e não culpa, e obviamente enfrentá-las com o objetivo de ampliar atendimentos proporcionais ao avanço da doença, eficiência do atendimento médico hospitalar e bem estar dos pacientes.
Logo, cuidar o quanto antes para que seja facultado aos que necessitarem e receberem recomendação médica a pronta doação de portocasht (cateter de infusão), agulha de punção especial, bomba de infusão, auxilio alimentar especial, transporte residência/hospital/residência para consultas, exames e quimioterapia, e, mesmo reparos residenciais para os que estão submetidos a sub-moradia, especialmente quando sem banheiro interno. É fácil imaginar o que sofrem os doentes que habitam áreas alagáveis, sobre palafitas, recorrendo a privadas toscas instaladas distante da casa, de uso coletivo e de difícil acesso durante os longos períodos chuvosos anuais, especialmente durante as noites. Já parou pensar no drama dos doentes que precisam vir dos outros municipios para tratamento em Macapá: como viajam até aqui, onde ficam, quem os cuida enquanto dura o tratamento e seus efeitos nos dias seguintes, como retornam, etc, etc, etc.  
Alguns desses sub-assuntos já estão em discussão no âmbito da Câmara de Vereadores de Macapá, através do gabinete do Vereador Acácio Favacho e também no Tribunal de Contas do Estado por iniciativa do Conselheiro Amiraldo Favacho.
Não é pouco, mas a grande discussão precisa ganhar prioridade nos parlamentos e instituições estaduais e federais, sempre, mas essencialmente sempre entendendo que não temos tempo para esperar.
Agora livre como estou para fazer escolhas decidi que devo e posso ser um bom cidadão por causa da doença. As poucos vou deixando para trás a presença física nos acontecimentos culturais que tanto prazer me trás, também vou compreendendo e me acostumando à ausência dos amigos antes do dia-a-dia – é natural.
Mas com isso ou por isso me junto de corpo e alma aos que sofrem de mesma dor, mas que não podem se expressar e - como agora faço - dizer ao Amapá e ao Brasil dessa nossa desafiadora realidade. Anda que “não eleito” falo por eles sempre acreditando que possa alguém nos ouvir...enquanto é tempo.     

   

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