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segunda-feira, fevereiro 29, 2016

O MEDO DA MORTE

c-bernardo2012@bol.com.br
A última vez que vi o Macunaíma era 6 de janeiro, ontem confirmou-se e noticiou-se a sua morte. Agnaldo, como se chamava, entrou em luta com um câncer e não venceu. Sabe Deus quanto sofreu nesses muito longos cinquenta e dois dias hospitalares. Quando nos olhamos nos olhos nessa última vez, certamente ele viu nos meus um medo atroz da morte.
Há quem critique, mas sou dos que têm certeza de que esse medo é saudável - ele nos faz dar valor à vida e querer viver o máximo possível.
É o medo da morte que injeta mais vida na vida, e pragmaticamente vê-se que quanto mais vida mais se vive o intrincado processo de transformação que dá sentido à vida.
Temo a morte porque a tenho visto bruta, às vezes cruel, sempre terrível. Talvez ela não seja tão má, por necessária que é, mas suas causas e seus efeitos o são. Também o é a dor da morte, essa que começa a nos matar trinta dias antes que a alma deixe o corpo – sente-se que se vai morrer, não mais se livra da morte.
A morte é bruta como se mostra no caso do jovem Macunaíma, um homem cheio de filhos. A morte é cruel como se mostrou no caso do jovem Macunaíma – torturou-o antes que morresse.
A compreensão da morte é pouca, temos no coração a teima em não se desvencilhar do morto. Todos os vivos depois de mortos são bons, foram afetuosos, joviais, fortes, sem nunca terem causado mal a ninguém.
Todavia, pior que a morte é a causa da morte – entre nações é a sombra do ódio que destrói: antipatias, intrigas, má diplomacia, etc. Entre pessoas, as minhas pessoas, o câncer é avassaladora causa de morte.
Melhor causa de morte não é a que está com o homem nem dentro dele – é a da natureza. Detestável porque vem no atacado cavalgando terremotos, ciclones, tsunamis... mata aos milhares.
O “livro” dos últimos anos no Amapá repetiu-se em páginas de um obituário: muitas mortes. Porque, então, lamentar tanto a morte do Macunaíma, apenas uma cabeça?! Pois aí está a própria resposta: sua cabeça era um mundo.
Agora para sempre a morte levou o nosso modesto herói, mas que à maneira do Macunaíma herói nacional também cantou: “vou-me embora, vou-me embora, eu aqui volto mais não, vou morar no infinito e virar constelação”.
E virou....


quarta-feira, fevereiro 24, 2016

ILHINHA

c-bernardo2012@bol.com.br

Minhas ambições são modestas, curtas as minhas asas – é a indignação quem me eleva aos ares. Dia desses, sem mais nem menos, a internet avisa do falecimento da Alexa. Que dor, tantas vezes me convidou a visita-la em Colónia, ali na Alemanha. Convidado não fui, intruso o câncer chegou primeiro.
Por causa desse doloroso acontecimento voltei a pensar na visita que não fiz a amigos em Lisboa, Paris e Londres. Em nossa mesa de refeições, aqui em casa, prometi a Anete Ferreira e ao esposo José que os visitaria em Lisboa e lá vão anos dessa promessa a cumprir.
Essas coisas são recônditas!, não sabem, mas meu ego vai além. Não cobiço a Europa, a America, a Ásia, a África ou a Oceania antes da minha ilha. Aliás, não ilha nem ilhota nem ilhona: ilhinha.
Quando a encontrar e dela tomar posse lhe darei o nome de Sozinha. Serei por mim mesmo proclamado imperador, terei uma imperatriz e quem sabe um ganso para guardá-la de todos os inimigos.
Não terei serviçais, nem impostos nem conta de luz nem súditos, nunca temerei que surja no meu império um Juiz Sergio Moro. Mas, é certo, em Sozinha o sol, as estrelas, a água, a brisa, os cocos, tudo será meu e da imperatriz. Todos os dias direi a ela: o sol é só nosso, as estrelas brilham só para nós, toda essa água em volta é para nosso deleite, a brisa também.
Quando a imperatriz entediada reclamar, explicarei: majestade, estamos no cume do mundo, tudo o mais está abaixo, a ilhinha é que é Sozinha, nós não. O que nos importa Lisboa, Londres, Paris, Buda e Peste, embora ai estejam preciosos amigos nossos?
Ali é um sol, uma lua, uma brisa e pouca água para milhões de pessoas. Aqui em nossa ilhinha, tudo é só para nós dois e um nadinha de nada para o ganso, guardião de Sozinha.
Mediante vestigios de resistencia à minha argumentação trarei à realidade a imperatriz: Vê a matança em Paris? A barbárie na Síria? Tantas mortos afogados no Egeu? O terror na Turquia? A humilhação na Venezuela? A ambiciosa astúcia do Evo na Bolivia? A roubalheira no Brasil? O cinismo no Brasil? A audácia no Brasil?
Tudo isso, minha rainha, é linha por linha do que disse Prometeu às ninfas: “Dei fogo aos homens; esse mestre lhes ensinará todas as artes”.   

terça-feira, fevereiro 23, 2016

GHOST: DO OUTRO LADO DO BALCÃO.


c-bernardo2012@bol.com.br

A Tv Globo reprisou hoje o filme “Ghost, do outro lado da vida”; pode ter sido a vigésima reprise nesses breves vinte e seis anos pós lançamento. Eu, mais vagabundo do que cinéfilo assisti pelo menos quinze dessas edições, e com grande proveito dessa vez.
De uns tempos para cá ando pensando em nova vida e nisso só avanço se tiver nova profissão. Então, o filme me ajudou a decidir, serei dos hipnólogos um dos melhores. Demora um pouco pegar a manha, no meu caso ainda mais porque não são totalmente honestas as minhas intenções, apesar de úteis para a coletividade. Contudo, os fatos são favoráveis a que se junte hipnotismo à corrupção que assola o Brasil. Penso também afanar um pouquinho, mas, explico-me.
Com pleno domínio da arte – todo hipnólogo é um artista, usarei meus dons para só me aproximar dos corruptos da Petrobras. Apenas os do alto clero, nada de comandita com os que se medem à razão de até dezena de milhões de reais. Trabalharei com a cúpula: Barusco, Duque, Vacari, Dirceu, Yousseff, Odebrechet e poucos outros. Só um almoço de trabalho com cada um.
Quando mandasse que tomassem o saleiro para adoçar o cafezinho, ao final do nosso encontro, e me visse obedecido faria descer sobre eles a minha justiça - fique claro que nosso almoço de trabalho se daria um a um.
O que, então, me inspirou o Ghost, outra vez reprisado pela Globo quem sabe pela vigésima vez? A cena da transferência bancaria.
Faria o mesmo com cada desses senhores, porém, por hipnose:
-Sr. Barusco transfira para a conta CA2016, 10% do que o senhor auferiu em excesso dos cofres da Petrobrás. Simultaneamente ao comando empurraria para as suas mãos o notebook com a página do respectivo banco suíço já acessada.
Concretizada a operação, discretamente estalaria meus dedos a altura do seu nariz, acordava-o do transe, agradeceria o almoço de alguns milhares de reais, aplicava-lhe uns tapinhas nas costas, pronto - justiça parcial.
Quantos fossem os corruptos com os quais almoçar esse seria o procedimento padrão. Roubo, roubo não seria e sim mais uma maneira civilizada de educar os ladrões do dinheiro público para a solidariedade social.
Sim senhor, a verba transferida por obra da minha arte de tão bem hipnotizar cairia imediatamente na conta de alguns hospitais de câncer desse surrado Brasil. Mas, com a seguinte salvaguarda: os diretores desses hospitais devidamente hipnotizados encaminhariam à minha conta exato 1% da doação – trato é trato, combinado não sai caro.
A parte que decidi fazer caber-me também teve inspiração no filme “Ghost, do outro lado da vida”. Ao ver o defunto voltar a ter nos braços a suave viúva, pensei com meus botões: por que não?              

domingo, fevereiro 21, 2016

PARAR OU CONTINUAR.

c-bernardo2012@bol.com.br

Vi adolescentes hoje animados com a catequese que os levará ao batizado e à primeira comunhão. A Catedral São José estava cheia deles e de seus pais apesar da chuvarada que veio da madrugada – costumamos dizer: “chuva para derrubar urubu do galho”.
O vigário, Pe. Francisco, falou-lhes das inevitáveis preparações para vida, dos medos, das decisões. Sábias palavras, as do vigário, jovem ainda.
Lembrei a saga da águia que chega aos quarenta e tem que se reprogramar para nova vida até os setenta anos. Essa ave prodigiosa se fortalece muito até os trinta e cinco anos, daí até os quarenta se prepara para o grande sacrifício que a renovará totalmente. 
Chegada a hora a águia voa mais para o alto, se aloja numa reentrância da parede de pedra do penhasco e aí bate com o bico até arranca-lo inteiramente – sangra, espera, se recompõe. Com o bico novo, forte, arranca todas as unhas – sangra, espera, se recompõe. Com as unhas novas arranca as penas já ressecadas, pouco eficientes contra o frio e a umidade.
Depois desse doloroso ritual, que dura em média 120 dias, surge a nova águia totalmente preparada para os próximos trinta anos de vida.
Para os cristãos católicos a quaresma é esse período de renovação. O Pe. Francisco falou muito claramente do ritual desses quarenta dias para as crianças catecúmenas – elas entenderam.
Esse período de transformação da águia também chega para a maioria de nós, frequentemente também depois dos quarenta anos.
Chegou para mim à altura dos 59 anos – desafiadores: 18 dias “arrancando o bico” no leito hospitalar, 180 dias “arrancando as unhas” numa sala hermética de quimioterapia, 4 anos “trocando as penas” entre exames médicos, internações, cirurgias, médicos, remédios. Outros cinco anos tenho para vencer até que, ao fim, veja-me renovado.
Eis o “livro” da vida para as águias, para os cristãos e não cristãos, para os enfermos: viver – renovar – viver.
Simples assim!


quinta-feira, fevereiro 18, 2016

ESTRELAS DOS PRESIDENTES

c-bernardo2012@bol.com.br

Agora sim, vou vestir camisa do Fernando Henrique. Com sua fotografia ainda não, só com seu nome em caixa alta. Eu sabia que esse dia ia chegar, me enganei com FHC, mas FH não me enganava.
Ainda não vou sair por aí dizendo que FH é um homem honesto nem único, que é o cara. Pode ser que por aí também me engane, mas quem sou eu para me enganar menos que o Presidente Obama do Estados Unidos? "Esse é o cara", disse ele do Lula para o mundo inteiro ver, ouvir e crer. Aliás, lembro-me ainda, o Real teve ampla valorização pós declaração do presidente sobre o presidente. Quanto ao que digo, duas ou três pessoas talvez leiam essas “mal traçadas” linhas.
O novo FH quase empata com o velho Lula, mas dá de mil a zero em Obama, sobre o qual não se leu qualquer maldadezinha ligando-o a amante, sequer mínima analogia a Clinton e sua Monica Lewinsky. Não senhor, Obama tem Michelle – prá quê amante?
O velho Lula, nesse caso, é mais a direita. Aí o colocou a grande imprensa toda vez que discorreu sobre as qualidades da Sra. Rosemary Noronha, celebrizada Chefe do Escritório da Presidência da República em São Paulo até fins do ano treze desse século.
Sou então, a partir de agora, henriquista porque o ex presidente Fernando Henrique acaba de transformar assunto velhíssimo em assunto novo. Recentemente o país consumiu meses discutindo a separação do casal Chimbinha-Joelma e agora começa discutir Mirian Dutra-Fernando Henrique; o protagonista da história é ele.
Não vou grafar na camisa, mas vou sempre explicar que a uso porque FH vem de demonstrar garbosamente que um amante pode ser presidente do Brasil. Mas pode também demonstrar que um presidente pode ser um amante - o que não tem nada a ver com bigamia. Com a Globo vá lá que seja, mas há que provar.
Só me afastarei da nova camisa se ele, FH, vier a demonstrar que foi melhor escritor do que presidente e amante ou amante e presidente. Quanto a ser bom pai ou não, nada a ver – paternidade é uma instituição constitucional.
Já de Mirian Dutra, queiram desculpar, não usarei nem tarja no braço ou lacinho preso por alfinete no bolso da camisa. Afinal, a Mirian o que é de Mirian, o mundo inteiro a viu brilhar por longos trinta e poucos anos atrás de um mesmo microfone. O que posso eu acrescentar?
Todavia, e em que pese como pesa minha admiração ao FH, dessa vez sua aventura plantou uma pequena séria dúvida bem sobre minhas convicções: Eduardo Cunha e ele combinaram buscar no firmamento Globo as suas estrelas?     


quarta-feira, fevereiro 17, 2016

MINHA ENCARNAÇÃO?

 c-bernardo2012@bol.com.br
Semana passada um leopardo e um elefante pareciam enlouquecidos atacando pessoas numa escola, casas e veículos numa cidade. O leopardo em Bangalore e o elefante em Liligure, na Índia.
Quando a televisão me mostrou as respectivas imagens pensei imediatamente: se eu pudesse sair de mim, me encarnar e a seguir me reassumir, o leopardo e o elefante me serviriam. Até os preferiria, mas nunca que se encarnassem em mim. Eu, neles.
Outra vez posso estar enganado, mas os casos deles pode sim ter sido de encarnação de humanos, embora não sejam eles, leopardo e elefante, tão amigos do homem como o são cachorro, cavalo, boi - desconfio dos gatos.
Tão facilmente não terá havido essas encarnações, existe histórico preconceito do homem para com animais de quatro patas - o caso do elefante é agravado mais ainda porque em momentos a tromba é a sua quinta pata. Se fossem bípedes poderiam se igualar ou até superar o homem, no mínimo poderiam normalmente entrar onde entramos.
O grau de civilidade da espécie humana em todo o mundo seria um facilitador para a mobilidade desses e de outros animais entre os homens, pois há muito que modo de vestir, marcas e cor da pela deixaram de ser impedimentos. Vê-se muito naturalmente pessoas tão intensamente tatuadas que, sem exageros, as pintas exteriores dos leopardos são nada.
Chego a imaginar e até admitir que a tromba excluiria o elefante porque complica o entendimento, no mínimo o faria vitima de intensa discriminação., mas seria um caso a resolver nos tribunais.
Voltando ao caso das atitudes enlouquecidas (ataque seria prejulgamento) do leopardo de Bangalore e do elefante de Liligure, pode ser que em um, no primeiro, encarnou-se o espirito do Deputado Eduardo Cunha e, noutro o espirito da Presidente Dilma ou do ex Lula ou do PT.
Quem pode apostar que o contrario não tenha ocorrido antes: que o espirito daquele leopardo tenha se apoderado do corpo e mente do Cunha depois dos dias de Lava Jato e impeachment no Brasil, e o espirito de destruição daquele elefante dominado simultaneamente Dilma, Lula, PT, levando-os a executar tão severamente o tal projeto de poder que sonharam?
Mas que nada, bobagens! É que na falta do que escrever fui indo na onda da encarnação, que é coisa séria – a Bíblia é repleta de encarnações, algumas delas absolutamente transformadoras. E todas elas, sem exceção, deram-se a partir de gente simples do povo. Prova de que estavam naquele leopardo e naquele elefante espíritos furiosos, porém humildes, de pessoas cansadas das espertezas de gente viva demais.   












terça-feira, fevereiro 16, 2016

CARTAS PARA DEUS.

c-bernardo2012@bol.com.br

O filme Cartas para Deus é triste de ver, pesado demais para se ir do início ao fim da história sem copiosas lagrimas. Com muita inspiração os diretores Patrick Doughtie e David Nixon dramatizaram sutilmente a história de um menino de 8 anos que descobre que tem câncer e, movido por sua fé, passa a escrever cartas diárias para Deus. Que vão mudar vidas aqui na terra mesmo.
Mas é um filme necessário para todos os que contraem o câncer, para os seus familiares e amigos é indispensável. Diante da doença inteirar-se plenamente da nova realidade é coisa que ajuda a passar melhor pela tormenta.
O garoto é extraordinário, luta com fé, força e graça contra a doença que lhe causa tanto sofrimento. Em suas cartas pergunta: “Por que estou doente Senhor? O remédio é muito ruim....Fico feliz de ter saído do hospital, mais do que isso eu queria que minha mãe risse de novo”.
O menino é lúcido, luta por si, diverte as pessoas, conforta a mãe e o irmão, escreve mais e mais para Deus e morre. Suas cartas, no entanto, mobilizam uma comunidade inteira que as responde de diversas maneiras. Vidas mudam, o viver comunitário muda.

Aqui no Amapá, dias atrás uma belíssima garota de 10 anos disse na televisão palavras a Deus em favor de sua amiga que despendia todas as suas forças no hospital para “sair da crise”. A leucemia impunha a ela uma rotina tão dolorosa quanto a enfrentada pelo garoto do filme. Amanda cortou seus cabelos para oferecer à amiga Giovanna as suas próprias forças – analogamente foi ela o carteiro do filme Cartas para Deus.
Amanda deu-se a conhecer na televisão ontem, Giovanna morreu hoje. No filme o garoto pergunta se Deus vê as estrelas olhando de cima para baixo, e diz que seu pai ensinou que todas elas foram criadas por ele.
Ora, não sei, não soubemos que combinações de letras Giovanna fazia para conversar com Deus, mas uma de suas cartas chegou ao destinatário: Deus deu a ela uma grande amiga, de verdade, estrela – Amanda. Foi ela, Amanda, quem nos disse, na entrevista que concedeu à Tv Amapá, que a Giovanna vivia o grande dilema de sua brevíssima vida de 12 anos, mas que tinha em Deus um grande amigo, um companheiro.
Tudo bem, mais uma vez o câncer venceu a vida, mas não será capaz de apagar as frases positivistas que Amanda e Giovanna redigiram e enviaram a Deus tão suavemente. Essencialmente, escreveram palavras transformadoras e restauradoras capazes de imediatamente criar novos amigos, nova comunidade solidária.

“Giovanna é muito importante para mim. Quando eu a vi sem cabelo, fiquei assustada, porque ela é muito vaidosa. Ai eu pensei que fazendo isso ela se sentiria bem melhor e enfrentaria o câncer com mais força , muito mais do que ela já está recebendo. E funcionou”, disse Amanda, emocionada.












domingo, fevereiro 14, 2016

DOMINGO BEM CEDINHO...


c-bernardo2012@bol.com.br

Também hoje eu devia ter me acordado para viver mais um dia, afinal tenho lutado muito por cada novo dia de vida. Mas, não era para sair da cama nem ouvir rádio nem ir à missa nem ligar computador. Fiz tudo isso e agora quero voltar ao sono, hibernar pelo resto do dia, e não consigo.
Não sei explicar o porquê da minha baixíssima capacidade de reagir aos estímulos que o câncer ainda me transmite, mas infelizmente tem sido assim., como hoje. Dormi mal, aliás, pouco, desde às três da manhã esperava cansado o dia amanhecer – às 7 sairia para a Missa.
Choveu forte e muito no finzinho da madrugada, o barulho da chuva no telhado e no quintal fez com que não ouvisse integralmente as palavras litúrgicas de Dom Fernando e Pe. Marcelo enquanto celebravam a missa dominical que a televisão mostra ao vivo, bem cedinho. Aumentar demais o volume da televisão não podia, não moro sozinho. Às 7 horas tomei o carro e fui para a igreja, não prescindo da missa presencial.
Ocupo sempre o mesmo lugar na nave. Antes de me assentar, na chegada, cumprimento várias pessoas que também ritualistas ocupam os mesmos lugares. Algumas dessas pessoas estão doentes como eu, talvez peçam a Deus em suas orações o mesmo que peço ou ofereçam o mesmo que ofereço – temos sofrimentos para colocar no altar do Senhor.
O senhor Antônio e a dona Antônia, velho casal antigos nubentes têm câncer – ele na próstata ela na mama. Ao cumprimenta-los: bom dia! elevo a Deus a primeira oração por eles. Depois do cumprimento às vezes choro, hoje chorei muito.
Fomos comungar: ela, ele, eu na fila. Ele tomou a hóstia da mão da ministra da Eucaristia de forma estranha – apressado, com dois dedos. Dona Antônia percebeu, se assustou um pouco e instintivamente ofereceu o corpo para ele se apoiar.
Fiz menção de apoia-lo também, mas D. Antônia me recriminou com o seu olhar de Maria, doce e cortante. O Sr. Antônio estava passando mal, o câncer o oprimia na forma dura de sempre, mas ele era apenas dela. Depois da Missa um escorando o outro foram-se.
Corri para casa, antes dei uma paradinha na banca de jornais, comprei os meus e a revista semanal. Foi só chegar e meu telefone tocou, quase não escutei a voz do outro lado. E não devia ter ouvido mesmo: era dona Neiva....coitadinha, devia dizer. Mas não digo.
Pedia ajuda, ela tem leucemia, um câncer horroroso, está fraquinha e com muita necessidade de viver. Precisa da sua dose de plaquetas, que, infelizmente, é um produto em falta no Instituto de Hemodiálise do Amapá. Não sei o que fazer por ela já que deixou comigo o pedido de socorro.    
Que domingo,,,que domingo!

  



    

domingo, fevereiro 07, 2016

MEU ESPIRITO INGOVERNÁVEL.

c-bernardo2012@bol.com.br
Meu espirito vai onde quer, entra em qualquer lugar e de vez em quando fala comigo. Pratico assim o espiritismo sem nunca ter entrado num centro – seria eu espírita? Do dia 4 de fevereiro de 2011 para cá meu espirito não deixa de se manifestar no dia 4 de fevereiro. Nunca imaginei esse entrosamento entre nós.  
Em 2011 a cidade fazia 253 anos e eu 59, bem cedo estávamos na Igreja São José para a segunda manifestação comemorativa do aniversário da cidade de Macapá – a primeira corre à conta dos canhões da Fortaleza São José. Meu compromisso de mais de trinta anos era estar de corpo e alma nesses dois lugares., sempre estive.  
Aos costumes, estava na igreja acompanhando a missa, mas não me sentia bem, alguma coisa que nunca sentira revirava meu corpo de dentro para fora – uma esquisitice.
Minha esposa, Consolação, estava ao meu lado, a igreja cheia a não poder mais entrar ou sair pessoas, para mim o ar também não entrava nem saia e sufocava, o meu espirito sabia o que era e ainda não tinha me dito nada.
Em questão de minutos era só ele que estava naquela igreja, ao meu corpo negou-se o chão, a boca amargou, a vista deixou de enxergar, as pernas amoleceram e uma dor inaudita tomou conta de tudo. Aguentei o tranco, disse que me sentia febril e fui saindo.
Meu carro não estava longe, mas precisei de uma eternidade para alcança-lo. O que me valeu foi o espirito ter se recusado a deixar a igreja, ficou lá em certa intimidade com os santos enquanto me arrastava para casa. Depois de metros rodados achei que não chegaria e foi então que voltei ao meu espírito e através dele falei com Deus: “Cura-me senhor bem aqui, onde dói”.
Dali fui aos confins da minha existência, revi coisa e outra da minha infância ao nascimento dos meus filhos, mas tudo embaçado. Meu espirito e eu não tínhamos a intimidade necessária a tornar aquele drama mais claro para mim, como dias depois ficou: o câncer chegou, gritou comigo como quis, jogou-me na cama e dela ao leito do hospital.       
No hospital outra vez meu espirito e eu nos olhamos nos olhos, foi ele que voltou a falar com Deus: “Ó Senhor, foi para aliviar o meu sofrimento que me trouxe aqui” – e Deus ouviu e concedeu.
Hoje, 4 de fevereiro de 2016, cinco anos depois, aos costumes nunca interrompidos voltei à Missa de aniversário de 258 anos da cidade de Macapá na mesma igreja São José. Cheguei cedo para procurar e encontrar o mesmo lugar que ocupei em 2011, infelizmente não mais as mesmas pessoas em volta.
E dessa vez deu-se que meu corpo estava ali e meu espirito alhures enquanto corria a missa. Fez de volta o trajeto até minha casa, depois voou ao Hospital Santa Cruz, foi ao Rio de Janeiro para reencontrar meu pai e dar-lhe notícias do meu corpo, retornou a Macapá fazendo-me outra vez sentir no corpo o lento caminhamento dos quimioterápicos em minhas artérias e veias, os enjoos, as defecações incontroláveis, luzes e cheiros insuportáveis, dores e medos tenebrosos.
De repente esse meu espirito reentrou em mim, reassumiu o domínio do meu corpo sossegando também minha alma conforme a liturgia da belíssima missa celebrada pelo Padre Aldenor em ação de graças pelos 258 anos da cidade de Macapá.
Chovia bastante, a igreja estava cheia de mim, de senadores, deputados vereadores, promotores e procuradores de justiça, prefeitos, governador... talvez apenas de corpo presente.