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segunda-feira, dezembro 22, 2014

O NATAL EXISTE E O PAPAI NOEL NÃO É TRISTE

 c-bernardo2012@bol.com.br
Desde 1995 escrevo crônicas para jornais, até 2010 escrevi e publiquei uma para cada natal. Depois do susto com o câncer produzi o mínimo para o meu blog, uma ou duas crônicas para jornais, mas nada que se referisse a natal e fim de ano.
Sei da mesmice dessas crônicas, mas em 2014 posso falar de um Jesus inédito nascendo outra vez, e dos presentes que um renovado Papai Noel tem me dado.
Lá atrás, 2011, maio, quando meu corpo queria morrer disse-me uma voz vivificadora à porta do centro cirúrgico: “não tenha medo, Deus lhe trouxe aqui para aliviar o seu sofrimento”. Não deu outra, um “menino” irradiou luz intensa sobre os médicos, os doutores Carlos Walter Sobrado, Dalto Martins e Domingues. Doze dias depois o “bom velhinho” abriu o saco de bondade: ganhei alta do hospital.
Outra vida a viver, no geral de superação. Rápido tive que aprender a ver e ouvir o choro dos meus filhos, netos, esposa, parentes e amigos por causa de mim – seria difícil a caminhada.
Depois, pouco depois, de volta aos hospitais fui conhecer a dor dos meus iguais: o senhor “josé” sofria, chorava por causa da perda temporária dos pelos, o que lhe derrubou também a barba – símbolo de sua autoridade paterna. O jovem de 23 anos tinha seus ossos consumidos pelo câncer – nos comovia com a sua imensa dor. A “maria” tinha o câncer, mas não uma casa aonde convalescer. Dona “bete”, mãe, morria mais que o filho com câncer no sangue. O inteligente menino sobrevivente ao câncer na cabeça, mas sucumbindo ao tratamento muito rigoroso quis ir – e fomos – comigo à igreja, parecia dizer que pararia ali mesmo. Uns e outros, vários, conheci na hermética sala de quimioterapia e logo morreram.
Todavia, os anos foram passando e fui chegando inteiro aos natais, nenhum igual ao outro – cada um mais natal que o anterior. E por que? Pela descoberta de que é também diferente o Jesus que renasceu em cada um desses anos. 2011 animador: vá em frente, mas tenha coragem - 2012 admoestador: vá conhecer o sofrimento alheio - 2013 concedente: esperança renovada. Já o de 2014 parece que vai me dizer: lute mais, enfrente mais, aplaine mais o caminho.
Paralelamente a esses renascimentos de Jesus em mim sempre esteve o Papai Noel com o mesmo presente espetacular: mais um ano de vida.
Portanto, Natal e Papai Noel não são “produtos” apenas da fé e dos sonhos, mas também das nossas necessidades mais prementes - imorredouras.
A vida é surpreendente, o Natal existe, o Papai Noel não é triste.

quinta-feira, dezembro 04, 2014

INTEGRALIDADE: PRINCÍPIO DO DIREITO À SAÚDE.

c-bernardo2012@bol.com.br 
A integralidade  em saúde é um dos princípios doutrinários da política do Estado brasileiro para a saúde – o Sistema ünico de Saúde (SUS) –, uma espécie de “consolidacao” das ações direcionadas à materialização da saúde como direito e como serviço.
A gênese da integralidade em saúde seria a boa medicina, aliada a práticas de boas respostas governamentais a problemas específicos de saúde.
Seria, portanto, a integralidade, um valor a ser sustentado, um traço de uma boa medicina, uma resposta ao sofrimento do paciente que procura o serviço de saúde. Seria, simultaneamente ,um cuidado para que essa resposta não conduzisse a silenciamentos. Ela estaria presente no encontro, na conversa em que a atitude do médico buscaria prudentemente reconhecer, para além das demandas explícitas, as necessidades dos cidadãos no que diz respeito à sua saúde.
Logo, essa integralidade estaria presente também na preocupação desse profissional com o uso das técnicas de prevenção, tentando não expandir o consumo de bens e serviços de saúde, nem dirigir a regulação dos corpos.
Assim, integralidade em saúde, como modo de organizar as práticas, exige uma certa horizontalização dos programas anteriormente verticais, desenhados pelo Ministério da Saúde, superando a fragmentação das atividades no interior das unidades de saúde. A necessidade de articulação entre uma demanda programada e uma demanda espontânea aproveitaria as oportunidades geradas para a aplicação de protocolos de diagnóstico e identificação de situações de risco para a saúde, assim como o desenvolvimento de conjuntos de atividades coletivas junto à comunidade. Ou seja: sobre integralidade em saúde, as políticas são especialmente desenhadas para dar respostas a um determinado problema de saúde ou aos problemas de saúde que afligem certo grupo populacional. 
Com a institucionalização do SUS, mediante a lei 8.080-90, deflagrou-se um processo marcado por mudanças jurídicas, legais e institucionais nunca antes observadas na história das políticas de saúde do Brasil. Circunstancias que, legais e institucionais, definiriam a integraliadde em saúde como um conjunto articulado de ações e serviços de saúde, preventivos e curativos, individuais e coletivos.
Todavia, Brasil afora Amapá adentro, gestores, profissionais e usuários do SUS, na busca pela melhoria de  atenção à saúde, vêm apresentando evidências práticas do inconformismo e da necessidade de revisão das idéias e concepções sobre saúde.
Um repensar dos aspectos mais importantes do processo de trabalho, da gestão, do planejamento e, sobretudo, da construção de novos saberes e práticas em saúde, resultando em transformações no cotidiano das pessoas que buscam e dos profissionais e gestores que oferecem cuidado de saúde. Integralidade tem que se transformar em meio de concretizar o direito à saúde, como uma questão de cidadania.
Mas as relações sociais vigentes se contrapõem à Constituição Federal, que, ao criar e estabelecer as diretrizes para o SUS, oferece os elementos básicos para o reordenamento da lógica de organização das ações e serviços de saúde brasileiros, de modo a garantir ao conjunto dos cidadãos as ações necessárias à melhoria das condições de vida da população.
Em todo o país, mas especialmente aqui no Amapá, a hipocrisia, a impunidade, a ausência da integralidade em saúde como regra, revelam claramente o sofrimento difuso e crescente de pessoas que são cotidianamente submetidas a padrões de profundas desigualdades, expressos pelo acirramento do individualismo, pelo estímulo à competitividade desenfreada e pela discriminação negativa, com desrespeito às questões de gênero, etnia e idade.
A integralidade como fim na produção de uma política do cuidado, sempre se  referirá ao ato de cuidar integral dos pacientes, e só acontecerá quando se der pelo modo de atuar democrático, pelo fazer integrado, e pela intenção de em um cuidar alicerçado numa relação de compromisso ético-político de sinceridade, responsabilidade e confiança entre sujeitos.
No dicionário Aurélio, o termo acolhimento está relacionado ao “ato ou efeito de acolher; recepção, atenção, consideração, refúgio, abrigo, agasalho”. E acolher significa: “dar acolhida ou agasalho a; hospedar, receber; atender; dar crédito a; dar ouvidos a; admitir, aceitar; tomar em consideração; atender a”.
No Dicionário Houaiss, o termo acolhimento não existe, porém acolher significa “oferecer ou obter refúgio, proteção ou conforto físico. Ter ou receber (alguém) junto a si. Receber, admitir, aceitar, dar crédito, levar em consideração.
Em outubro de 2012 o Ijoma entrou com ação no Ministério Publico Federal com uma petição com a seguinte sinopse fática:
“A presente ação civil publica tem por objetivo compelir o Poder Público a tomar as medidas necessárias para que os estabelecimentos da rede estadual e municipal de saúde, integrantes do SUS - Sistema Único de Saúde, prestem serviços eficientes, seguros, contínuos e de qualidade, conforme determina a legislação pertinente, para com os doentes acometidos de câncer no Estado do Amapá.” 
Recebemos como resposta:
DECIDO
“Na condução de reuniões do Comitê Executivo da Saúde do Estado do Amapá, do qual sou coordenador, obtive informações do Governador do Estado e do Secretário de Estado da Saúde de que o Ministério da Saúde irá promover obra de ampliação do Hospital das Clinicas Alberto Lima – HCAL, contemplando: a) a construção de um Centro Oncológico de Alta Complexidade; b) reforma do Centro Cirúrgico; c) de novos leitos na UTI; d) novos consultórios médicos; e) sala de farmácia; f) ampliação da enfermaria. Também há informações de que os recursos necessários para essa obra já estão disponíveis, havendo, inclusive, procedimento  administrativo em andamento para a deflagração de licitação.
Com efeito, em que pese o caos da saúde publica no Estado do Amapá ser fato público e notório, tem-se que, no caso especifico do atendimento dos pacientes de câncer, as providencias administrativas já estão sendo adotadas. É certo, porem que essa estruturação na área de oncologia (praticamente inexistente nos hospitais do Estado) não tem como ser alcançada em prazo tão exíguo. A reforma, ampliação e construção de edificações, assim como a aquisição de equipamentos e contratação de pessoal, demandam tempo, exigindo da administração pública a necessária observância das formalidades legais para a sua efetivação.
Assim, diante da constatação de que a União e o Estado do Amapá já estão adotando as providencias necessárias para se alcançar os objetivos reclamados na presente demanda, não vislumbro, por ora, a presença de requisitos ensejadores da medida liminar”.   
ANTE O EXPOSTO, INDEFIRO O PEDIDO DE LIMNAR.
Citem-se os réus. Intimem-se.
Macapá, 9 de novembro de 2012.
Anselmo Gonçalves da Silva

Avançamos no tempo até que, entre os dias os dias 28 de fevereiro e 3 de março de 2013, dentro da vigência da ultima grande e prolongada falta de remédios quimioterápicos na rede publica estadual, morreram:
SEBASTIANA ROLINA DA SILVA – CECILIA SANTOS DAS DORES – ANA MARIA MORGONHA DA SILVA – VERA LUCIA BARROSO MONTEIRO – RAIMUNDA OLIVEIRA DOS SANTOS – EDIVALDO DE BRITO DE PAES.



quarta-feira, novembro 12, 2014

NÃO É, MESMO. NEM PROMOTOR O É.


O Juiz João Carlos de Souza (que por mais que insista e se convença, não é Deus) segue apoiado por Desembargadores do TJRJ. Os da 14 Vara Cível mantiveram a multa à Fiscal do Detran que cometeu “crime” dizendo a mais cristalina verdade: juiz não é Deus.
Mas nisso não há novidade alguma, relembremos abaixo o caso de outra celebridade nacional:
10 de Junho 2013:
PROMOTOR INCITA VIOLENCIA CONTRA MANIFESTANTES DO MOVIMEMNTO PASSE LIVRE

Depois disse que não disse dizendo o seguinte: o texto "foi fruto de desabafo feito por pessoas que estavam há muito tempo paradas no trânsito, mas que tinham compromisso com seus filhos". Me manifestei como cidadão. "Foi uma forma de expressão, jamais caracterizando aquiescência com execuções ou arbitrariedades".
Todavia, o Promotor André, antes, em março de 2011, escreveu num processo que um policial deveria melhorar sua mira. "Bandido que dá tiro para matar tem que tomar tiro para morrer. Lamento que tenha sido apenas um dos rapinantes enviado para o inferno. Fica o conselho: melhore sua mira".
Hoje eu ouvi um promotor ou procurador visitante do MP/SP dizendo em entrevista na Radio Difusora: “Os protestos de rua em 2013 mudaram o papel do Ministério Publico”.
Mudou como? A Constituição foi reformado a propósito? O colega Dr. André foi punido na forma da lei? O MP não cumpria com o seu papel antes dos protestos de rua em 2013?
 

sábado, novembro 01, 2014

TODOS OS SANTOS E FINADOS

Nilson Montoril
No século sétimo, o imperador romano Focas ofereceu ao Papa Bonifácio iv O Panteon, templo suntuoso que o imperador Agripa mandara construir no ano 27 antes de Jesus Cristo. O Sumo Pontífice aceitou a oferta e dedicou o prédio á Maria Santíssima, Mãe Deus a todos os santos. O templo fora erguido para comemorar a vitória do imperador Augustos sobre Marco Antônio e a Rainha egípcia Cleópatra na batalha de Acio, consagrando-o ao deus Júpiter Vingador. No local realizava-se o culto a todos os deuses romanos. No dia 12 de maio do ano 609 da era cristã, segundo registro do Cardeal Barônio, 28 carros transportaram os ossos dos mártires cristãos, exumados das catacumbas de Roma e seus arredores, como forma de preserva-lhes a memória. Em 731, o Papa Gregório III instituiu a solenidade dedicada a todos os santos.
A celebração ficou restrita à cidade de Roma. Em 837, o Papa Gregório IV estendeu-a a Igreja Universal. O dia de Todos os Santos foi instituído por três razões fundamentais: a- nem todos os santos têm um dia de festa; b- nem os santos receberam as honras da canonização; c- há uma inumerável multidão de santos desconhecidos, a qual aumenta cada dia com a entrada de novos eleitos no Céu. A Igreja Católica Universal respaldou-se na citação feita por São João Evangelista, no Apocalipse, sobre a visão que tivera de inúmeros santos no Céu: “Vi uma grande multidão, que ninguém podia contar, de todas as nações, tribos, povos e línguas, que estavam em pé diante do trono e em presença do Cordeiro de Deus, cobertos de vestes re com palmas em suas mãos”.
A comemoração dos Fieis Defuntos complementa a festa de Todos os Santos e as duas são uma demonstração prática do dogma da Comunhão dos Santos. No dia consagrado ais mortos não bastam às lágrimas que derramamos à beira dos sepulcros; a saudade que sentimos das pessoas queridas já falecidas e as belas flores e coroas colocadas nas sepulturas.
É imprescindível que rezemos pelos mortos porque é provável que eles estejam num lugar de expiação, chamado purgatório. É aí que as almas dos eleitos, cuja pureza não é perfeita, expiam, em um fogo misterioso, o resto de suas faltas. No dia de finados o Martilológico dirige-nos estas palavras: ”Fazemos hoje a comemoração de todos os fiéis defuntos. A Igreja já instituiu a comemoração para socorrer as almas que ainda padecem no lugar da purificação, intercedendo por elas junto a Deus Pau e a Jesus Cristo, para que elas se reúnam, o mais depressa possível,à comunidade dos cidadãos do Céu”. A morte não é o fim para quem acredita na imortalidade da alma. A morte é a passagem do cristão, da vida terrena para outros estágios próprios dos espíritos. Sem a Luz Divina nenhum homem se. Ela provem de Deus e conduz ao cume da perfeição. A reza é o tributo exigido dos que desejam ter a Luz Divina. I cristianismo reconhece a existência do Juízo Particular e do Juízo Final ou Universal. O Juízo Particular ocorre no mesmo instante em que a alma do homem deixa o corpo e se apresenta ao Tribunal Celeste. Se a alma estiver em pecado receberá a sentença de Deus, condenando-a ao purgatório ou ao inferno.
Perante o Tribunal Celeste, o Supremo Juiz pedirá contas das ações da vida terrena do morto. Os demônios acusando todas as maldades e o Anjo da Guarda confirmando as acusações. A alma que chegar ao Juízo Particular em pecado estará desamparada de Deus e dos santos. Em torno de si estarão os demônios rangendo os dentes e impacientes para conduzi-los ao inferno. Se os pecados forem considerados leves, a alma irá para o purgatório para expiá-los. “Se os pecados forem mortais e graves, o condenado ouvirá de Jesus Cristo estas palavras:” Apartai-vos de mim, maldita, para o fogo eterno; vai padecer para sempre na companhia dos demônios e condenados, onde, no meio dos mais atrozes tormentos só ouvirás gritos e ranger de dentes”. O juízo Universal ou Final, considera que lá na madrugada do último dia do mundo se ouvirá sons de trombetas, cujo eco ressoará nos quatro cantos do mundo e fará ouvir por toda a parte estas palavras terríveis: “Levantai-vos, mortais,vinde a Juízo”. A terra lançará de si os corpos; o inferno vomitará todos os condenados; o Céu enviará também seis santos. As almas irão tirar dos sepulcros os corpos já de novo organizados.Os anjos separarão os bons e os maus.Os bons, devidamente purgados de seus pecados terão a recompensa eterna. Os maus, voltarão ao inferno,cujo fogo não se extinguirá nunca.É fogo que tudo penetra e nada consome, tudo queima e nada desfaz.Fogo temperado pela Justiça Divina com todos os gêneros de tormentos.(Referência: "Apologia ao Catolicismo).
Há uma crendice de que a alma só se afasta definitivamente do corpo quando ele é sepultado. Se for assim, as almas dos que morreram e não tiveram seus corpos resgatados não sobem nunca. Nem os incinerados. O espirito do morto se apresenta ao Tribunal Celeste tão logo ocorra a morte da matéria que o abrigou para o Juízo Particular. Se a alma estiver desamparada de Deus, de nada valem as sepulturas suntuosas e as mais humildes, Um ditado muito certo diz que santos e defuntos querem reza, nada de material. Se você quiser saber i que acontece com o corpo humano embaixo da terra, sinta o terrível odor da flor cadáver.

domingo, outubro 26, 2014

WALDIR BOUID


 

 

RODOVIA BELÉM-BRASÍLIA. UMA EPOPEIA COMPOSTA POR DOIS MÉDICOS: JK E WALDIR BOUHID*

                      Sérgio Martins Pandolfo**

  “Posso dizer que médico sou e serei – "Tu es medicus in æternum" – até o final de meus dias”. Juscelino Kubitschek de Oliveira em seu livro “A Marcha do Amanhecer” (1962)

           A Rodovia Belém-Brasília, que está prestes a completar o cinquentenário de abertura, teve uma trajetória de verdadeira epopeia entre a decisão e a concretização dos sonhos de dois homens notáveis: Juscelino Kubitschek e Waldir Bouhid. A determinação e o arrojo marcaram a personalidade desses dois gigantes como já a seguir se verá.
           No início de 1958, o Presidente Juscelino Kubitschek reuniu, no Palácio dos Leões, em São Luís do Maranhão, os Governadores da Amazônia e do Nordeste bem como os dirigentes de órgãos federais para comunicar-lhes sua decisão de construir a Nova Capital da República, cuja inauguração já havia adrede fixado para o dia 21 de abril de 1960.
           Após a exposição do Presidente Juscelino, a respeito das obras infraestruturais de transporte e comunicação planejadas para proporcionar condições de desenvolvimento à nova capital, Waldir Bouhid, Superintendente da SPVEA, verificando que o Pará estava fora do projeto global, fez ver que, sem uma rodovia interligando a capital paraense ao planejado Distrito Federal, este nada significaria para Belém, naquela época com ligação direta com o Rio de Janeiro, sede do governo federal, apenas por meio de navios e de aviões.
           O engenheiro Regis Bittencourt, Diretor Geral do DNER, consultado no ato por Juscelino sobre a viabilidade técnica da construção de uma rodovia entre Belém e Brasília, abriu o mapa do Brasil e, assinalando o enorme trecho de floresta virgem, disse ser humanamente impossível à engenharia nacional realizar obra daquele vulto, no prazo de dois anos. Tentava-se “pôr a água da razão no vinho puro da sabedoria divina”, a redizer São Boaventura. Sem se dar por vencido, Waldir Bouhid lançou o desafio: “Presidente, não sou engenheiro rodoviário, sou médico sanitarista. Entretanto, se Vossa Excelência conceder-me os meios, a SPVEA construirá essa rodovia para ser inaugurada juntamente com Brasília”. Tomado de surpresa - e maior firmeza - o diamantino JK concluiu: “Pois então, senhores, começaremos amanhã!”.
           Em 19 de maio de 1958, Juscelino sancionava o decreto nº 3.710, criando a Comissão Executiva da Rodovia Belém-Brasília – RODOBRÁS, vinculada à SPVEA e presidida pelo seu Superintendente.
          Transformada em meta prioritária do governo Kubitschek, a construção da rodovia foi subdividida pela RODOBRÁS em três setores: Goiás, Maranhão e Pará. O trecho de Goiás coube ao engenheiro agrônomo Bernardo Saião, pioneiro do desbravamento do norte goiano, que viera a morrer tragicamente em pleno serviço, a 15 de janeiro de 1959, esmagado pelo tombo de frondosa árvore.
           O trabalho de desbravamento da floresta virgem, numa extensão de 500 km entre São Miguel do Guamá, no Pará e Imperatriz, no Maranhão, foi o mais dramático dessa batalha ciclópica contra as asperezas da Natureza, o tempo limitado, a falta de equipamentos adequados e o excesso de chuvas nas épocas invernosas. Os 6.000 homens lançados nessa magnífica obra de integração nacional operavam, na fase inicial de desmatamento, basicamente com machados, terçados, facões e pequenas ferramentas de uso manual, ademais da determinação e bravura.
           Longe dos momentos de tristeza causados pelo desaparecimento trágico do engenheiro Bernardo Saião, do engenheiro paraense Rui Almeida e de outros trabalhadores anônimos, o ponto marcante daquela obra considerada impossível foi a chegada da Coluna Norte da Caravana de Integração Nacional, em Brasília, depois de oito dias de viagem. Bastante emocionado, Waldir Bouhid, comandante da caravana, ao ser abraçado por Juscelino, que estava radiante de alegria, disse-lhe apenas: “Presidente, missão cumprida”.
           No dia dois de fevereiro, houve em Brasília um acontecimento de significação excepcional na vida brasileira – uma verdadeira festa cívica de integração nacional. Brasileiros de todos os quadrantes, partindo de Uruguaiana, Porto Alegre, Belém do Pará, Fortaleza, Pernambuco, Rio de Janeiro, São Paulo, Belo Horizonte, Cuiabá, Campo Grande – para só citar alguns pontos extremos que até então não se tocavam por laços rodoviários – marcaram de modo eloquente um acontecimento histórico: o final da condição de isolamento em que viviam as nossas populações.
           Outro fato bastante significativo: muitos dos integrantes das caravanas eram elementos que não acreditavam na rodovia de ligação Norte-Sul do País. Engajaram-se na coluna como novos São Tomés: queriam ver para crer. De um deles sabemos que estava convencido de que a viagem da Coluna Norte seria uma farsa bem engendrada e que as viaturas e os passageiros seriam transportados de aviões de um ponto para outro da selva, onde só existiam os campos de pouso, abertos de 100 em 100 km. Para esse desconfiado foi uma agradável decepção aquele sulco gigantesco na floresta que parecia intransponível...!

Nota
: No alto da página Imagem histórica de fevereiro de 1959:o presidente da República Juscelino Kubitschek (c) visita as obras de construção da Rodovia Belém-Brasília. Waldir Bouhid está um pouco atrás e à direita. O estradão principiava de ser aberto pelos mateiros sapadores

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(*) Texto elaborado a partir de informações e apontamentos fornecidos pela Dra. Clara

Pandolfo, que foi Diretora do Depto. de Recursos Naturais da SPVEA/SUDAM

domingo, outubro 19, 2014

CARTAS INDIGNAS

Maria e José
Osmar Jr – Jornal Diário do Amapá (19/10/2014)
 www.youtube.com/watch?v=3KTHR3OcRvo

Não perderás de vista a história, seja em pedra ou pergaminho, seja em ouro ou prata, lembrarás de quem a fez como quem lembra de parentes, ancestrais ou heróis. Tem que ter algo assim escrito em algum lugar nas montanhas. Maria e José não são deuses, são santificados, pois os católicos os tem como santos, e santo para os católicos é quem cometeu um ato corajoso de obediência, bravura ou amor perante Deus, mesmo que na marra, como aquele homem Ajudando Jesus a carregar sua cruz ou Jonas que pensava poder fugir de Deus, esses personagens são lembrados e festejados pois o povo gosta mesmo é de festa e feriado. Tradições católicas, como imagens de santo, datas festivas, procissões que vieram com os portugueses, acabam confundindo alguns que se apegam mesmo é a imagem. Mas tudo isso é o poder da cultura e da fé – não deve ser levado a mal.
No Pentateuco judaico, a Bíblia diz para que não adoremos os ídolos de ouro ou prata, com um pouco de conhecimento sabemos que se referem aos ídolos egípicios, pois havia a escravidão de Israel que era um povo subjugado por faraó que, aliás, não é só religião é uma raça, é sangue. Alguns evangélicos pensam ser judeus, eu nunca serei um levita, não sou da casa de Levi. A meu ver trazemos a mulher (a deusa) dentro de nós porque desapareceram com elas da história, e parece que a Igreja se prepara, através de Maria, para revelar que a mulher é mais importante do que se imagina na Historia do Cristianismo. Continuamos com esse preconceito. Essas imagens não concorrem com Jesus, são representações de gente humilde ligadas a ele. Maria e José simbolizam um povo perseguido por Herodes, o político matador de criancinhas, e claro que são apenas símbolos culturais da igreja, acabam sendo cultuados. Dê ao povo uma centelha de fé e ele transformará em uma gigantesca fogueira.
E se a Igreja tivesse modificado e escondido boa parte da História de Jesus? Os apócrifos, abalaria nossa fé? Não, claro que não. A fé e como um órgão humano, um órgão vitalício, e não se abala nem com a morte. Jesus sempre será seguido porque é um rabi suave, leve, amoroso e veio aos pecadores. É a mais linda História de Deus. Sua profecia foi cumprida e pronto.
A fé vem direto com a gente do cosmos vivo, que não respira, não tem carne, não tem voz humana, mas existe perenemente, pra nosso eterno desentender. Como diz o padre Aldenor, não tente com sua mente limitada entender Deus, só acredite, tenha fé, faz bem, fale com ele.
As imagens dos santos católicos não concorrem com sacerdotes, com rabinos, pastores ou pai de santo. Chutar uma imagem é pecado, você pode estar chutando uma obra de Aleijadinho, é arte. É evidente que temos uma cultura religiosa portuguesa formatada; todas as cidades brasileiras, principalmente na Amazônia, festejam personagens bíblicos, e nossos nomes também são cristãos,. são Josés, Marias, Tiagos, agora com os evangélicos também temos Obedes, Miqueias, Zacarias, Saras...Acredite, cultura é algo forte – a religião é cultura.
Um amigo meu estudioso do assunto falou que se o fanatismo religioso virar droga na cabeça do povo, haverá o dia de caça às bruxas e muita gente vai morrer queimada, pois a história se repete. Católicos de ontem, radicais de hoje. Mas temos uma harmonia religiosa melhor que a política. Só não vale radicalizar. Vivamos em paz.
Quer saber? Quando converso com um pescador, carpinteiro, barqueiro, qualquer operário, entendo porque Jesus se chegou a eles, é pelo fato de que eles aprendem e ensinam a vida da forma mais simples que existe, trabalhando. Essa é a maior religião, o trabalho. Quer crescer? Dê bom dia ao pastor e vá trabalhar, pare de gastar com farra, ponha suas ideias em prática, e depois mande algum pra ele em nome de Deus.
Então Marias e Josés de Macapá, e do mundo inteiro...parabéns, parabéns por uns nomes tão belos, de uma mulher e um homem que assumiram a guarda daquele que nunca vimos em corpo, não sabemos como era, mas até hoje sua história permanece em toda a humanidade, pois ele não pertence a nenhuma empresa ou Igreja, ele pertence a quem acredita nele. E mesmo sem saber escrever, escreveu sua história pelas mãos de Deus e seus anjos, pois ficaram nas pedras e nos pergaminhos, e seu pai e sua mãe se chamavam Maria e José. Está escrito.
Não perderás de vista a história, seja em pedra ou pergaminho, seja em ouro ou prata, lembrarás de quem a fez como quem lembra de parentes, ancestrais ou heróis. Tem que ter algo assim escrito em algum lugar nas montanhas. Maria e José não são deuses, são santificados, pois os católicos os tem como santos, e santo para os católicos é quem cometeu um ato corajoso de obediência, bravura ou amor perante Deus, mesmo que na marra, como aquele homem Ajudando Jesus a carregar sua cruz ou Jonas que pensava poder fugir de Deus, esses personagens são lembrados e festejados pois o povo gosta mesmo é de festa e feriado. Tradições católicas, como imagens de santo, datas festivas, procissões que vieram com os portugueses, acabam confundindo alguns que se apegam mesmo é a imagem. Mas tudo isso é o poder da cultura e da fé – não deve ser levado a mal.
No Pentateuco judaico, a Bíblia diz para que não adoremos os ídolos de ouro ou prata, com um pouco de conhecimento sabemos que se referem aos ídolos egípicios, pois havia a escravidão de Israel que era um povo subjugado por faraó que, aliás, não é só religião é uma raça, é sangue. Alguns evangélicos pensam ser judeus, eu nunca serei um levita, não sou da casa de Levi. A meu ver trazemos a mulher (a deusa) dentro de nós porque desapareceram com elas da história, e parece que a Igreja se prepara, através de Maria, para revelar que a mulher é mais importante do que se imagina na Historia do Cristianismo. Continuamos com esse preconceito. Essas imagens não concorrem com Jesus, são representações de gente humilde ligadas a ele. Maria e José simbolizam um povo perseguido por Herodes, o político matador de criancinhas, e claro que são apenas símbolos culturais da igreja, acabam sendo cultuados. Dê ao povo uma centelha de fé e ele transformará em uma gigantesca fogueira.
E se a Igreja tivesse modificado e escondido boa parte da História de Jesus? Os apócrifos, abalaria nossa fé? Não, claro que não. A fé e como um órgão humano, um órgão vitalício, e não se abala nem com a morte. Jesus sempre será seguido porque é um rabi suave, leve, amoroso e veio aos pecadores. É a mais linda História de Deus. Sua profecia foi cumprida e pronto.
A fé vem direto com a gente do cosmos vivo, que não respira, não tem carne, não tem voz humana, mas existe perenemente, pra nosso eterno desentender. Como diz o padre Aldenor, não tente com sua mente limitada entender Deus, só acredite, tenha fé, faz bem, fale com ele.
As imagens dos santos católicos não concorrem com sacerdotes, com rabinos, pastores ou pai de santo. Chutar uma imagem é pecado, você pode estar chutando uma obra de Aleijadinho, é arte. É evidente que temos uma cultura religiosa portuguesa formatada; todas as cidades brasileiras, principalmente na Amazônia, festejam personagens bíblicos, e nossos nomes também são cristãos,. são Josés, Marias, Tiagos, agora com os evangélicos também temos Obedes, Miqueias, Zacarias, Saras...Acredite, cultura é algo forte – a religião é cultura.
Um amigo meu estudioso do assunto falou que se o fanatismo religioso virar droga na cabeça do povo, haverá o dia de caça às bruxas e muita gente vai morrer queimada, pois a história se repete. Católicos de ontem, radicais de hoje. Mas temos uma harmonia religiosa melhor que a política. Só não vale radicalizar. Vivamos em paz.
Quer saber? Quando converso com um pescador, carpinteiro, barqueiro, qualquer operário, entendo porque Jesus se chegou a eles, é pelo fato de que eles aprendem e ensinam a vida da forma mais simples que existe, trabalhando. Essa é a maior religião, o trabalho. Quer crescer? Dê bom dia ao pastor e vá trabalhar, pare de gastar com farra, ponha suas ideias em prática, e depois mande algum pra ele em nome de Deus.
Então Marias e Josés de Macapá, e do mundo inteiro...parabéns, parabéns por uns nomes tão belos, de uma mulher e um homem que assumiram a guarda daquele que nunca vimos em corpo, não sabemos como era, mas até hoje sua história permanece em toda a humanidade, pois ele não pertence a nenhuma empresa ou Igreja, ele pertence a quem acredita nele. E mesmo sem saber escrever, escreveu sua história pelas mãos de Deus e seus anjos, pois ficaram nas pedras e nos pergaminhos, e seu pai e sua mãe se chamavam Maria e José. Está escrito.


quarta-feira, outubro 15, 2014

CONTOS DE CESAR BERNARDO DE SOUZA 3

CALCINHA FURADA
Autor: César Bernardo

A ansiedade era o único ponto em comum entre Gonzaga e Cristal, um sentimento embaraçoso que ambos tentavam administrar horas antes do início da reunião mensal ordinária que se realizaria no Salão Oval da Cooperativa Central dos Produtores de Leite do Vale do Caiapó. Na manhã daquele dia se definiria a permanência ou não de Gonzaga no posto de direção que ocupava na organização e se Cristal conseguiria o emprego tão esperado e necessário, na Divisão Especial de Produtos Dietéticos.
Por conta dessa tão grande ansiedade, ambos passaram acordados uma noite
nervosa, calorenta o suficiente para fazer-lhes subir a adrenalina para muito
além do suportável. Como se estivessem comandados pelos impulsos eletrônicos de um controle remoto, cada qual buscou ruas para caminhar sem rumos definidos. Cansados das caminhadas, foram se refestelar na janela dos seus apartamentos querendo espiar a madrugada chegar com algum bom sentimento novo e findar com a ansiedade que já os mergulhava numa espécie de solidão compartilhada.
Cristal não tinha uma janela aberta para os poucos encantos da pequena cidade. Seus olhos, como que tentando escapar do vento frio que descia da montanha, varrendo para a sarjeta papeis miúdos e folhas secas que queriam atapetar toda superfície da rua, só podiam ir até as paredes descascadas das velhas carcaças dos prédios em frente. A rua das Escravas, comprida e estreita, morta nas madrugadas, parecia mover-se debaixo dos pés.
Debruçada devagar sobre o batente largo da janela de duas folhas, as pernas já adormecidas ao embalo do seu silêncio mais profundo, Cristal deixava repassar em sua mente o filme em preto e branco da grande tragédia da sua longa vida medida em exatos vinte e seis anos, quatro meses, dois dias e mais as seis horas que a consumiam daquela maneira desde os primeiros minutos daquele dia.
Muitas vezes - e poucas horas entregues às lembranças, ela reviu as pernas macérrimas que um dia se desnudaram bruscamente diante dela, dando forma a uma das mais violentas e bestiais atitudes que um homem é capaz de praticar contra uma mulher. Ela que, atraída por uma possibilidade de empregar-se, terminou estuprada e manchada pela bestialidade humana.
Depois de tanto tempo, ainda sem entender direito como se viu encurralada entre a surpresa e a barbaridade, não conhecia uma forma de perdão para aquele indivíduo e nem sabia de onde tirara tanta força para suportar a vida até ali.
Por causa da dor e da vergonha, Cristal gravou no fundo de sua memória a imagem das pernas secas e do par de botas com todos aqueles detalhes que bordavam as laterais dos canos altos, até quase aos joelhos. Dali em diante, dominada pela impotência, decidiu que teria a vingança como a única meta da sua vida e a tragédia como o seu maior segredo.
Gonzaga, como que querendo carícias da brisa matutina, abriu de vez as duas folhas da janela grande debruçando-se sobre os seus remorsos mais fortes. O que lhe vinha à mente com mais força, desde há muito tempo, era a imagem da calcinha que lhe ficara como testemunho do gozo bestial que conseguira num dia distante, quando subjugou cruelmente uma jovem mulher que tanta excitação lhe causara.
Lembrava-se bem de uma calcinha marrom de bordas brancas, com um orifício centro frontal grande o suficiente para deixar à vista boa parte da região púbica vaginal, como ele jamais tinha visto, razão pela qual a trazia consigo depois de tanto tempo. Suas lembranças inconfessáveis misturavam-se com a certeza da impunidade. O anonimato em que se julgava convenientemente mergulhado fazia-o pensar que tudo corria a favor dos seus planos de poder na CCPLVC.
Chegou, finalmente, o momento da reunião tão esperada. Na distribuição das pessoas em seus assentos, o acaso colocou Gonzaga e Cristal frente a frente, separados pela descomunal largura da mesa oval que dava nome ao salão retangular. Não sabiam exatamente o que um significava para o outro.
Cristal mostrava-se mais contida, estava informada de que a reunião seria longa, se estenderia muito em razão dos discursos que se sucederiam a partir do Secretário Geral até o Presidente, estando entre os quais seis vice-primeiros-presidentes e três subdiretores que, ainda bem, teriam direito a um máximo de três minutos de pronunciamento, sem réplica.
Quanto a Gonzaga, parecia tratar-se de uma pedra. Nada se poderia perceber ocorrendo em seu íntimo. Para ele seria mais uma reunião de rotina que viria consolidar ainda mais a posição de mando que ocupava na empresa há mais de seis anos. O futuro da hora seguinte não lhe deu nenhum aviso.
Num dado momento, reunião em andamento, foi ao chão a folha de pauta através da qual Cristal acompanhava os acontecimentos com a devida atenção.
Discretamente afastou um pouco a cadeira que ocupava e abaixou-se devagar para recolher o papel que lhe caíra quase ao pé. Foi quando, atraídos pelo destino implacável, seus olhos foram pousar direto nas botas de couro bordadas nos canos altos que calçavam os pés e escondiam as pernas secas do sujeito em frente, do outro lado da mesa oval. Teve a certeza de ter encontrado o que buscava: seu algoz. Não tremeu um só músculo do corpo e nem lhe traiu qualquer nervo. Apenas deixou que as lembranças amargas que trazia da vida dominassem por mais um segundo, cobrando-lhe o compromisso que tinha com a vingança. Ao mesmo tempo que via as botas e recolhia o papel do chão, veio-lhe a decisão de que a sua vingança não se adiaria mais um minuto sequer. Retomou a posição no assento e esperou.
Gonzaga, sem o aviso dos minutos seguintes, também foi ao chão por um motivo qualquer, com um gesto passou imperceptível e sem a mínima importância para Cristal. Abaixado, avistou em frente o par de pernas abertas mostrando ao fundo, lá no fundo, boa parte da região púbica vaginal através do orifício central de uma calcinha marrom de bordas brancas, exatamente igual à que de uns anos para cá levava no bolso e na consciência. Não se enervou nem tremeu qualquer músculo do seu corpo esquelético; apenas excitou-se incontrolavelmente à vista daquelas pernas da mulher que estavam em seu caminho pela segunda vez em busca de emprego.
Recomposto à mesa, deixou seu olhar cruzar com o de Cristal, a dona da calcinha furada. Corria a língua de um canto a outro da boca lambendo os lábios com a intenção de ser obsceno. Cristal recebeu a "carícia" com fingido prazer enquanto fazia a sua arma passar do interior da bolsa para a mão esquerda. Não deixou que seu olhar passasse a Gonzaga o último aviso.
Sob a mesa, Cristal cuidou da mira por muito tempo, quase imóvel. Gastou nisso quase quinze segundos, queria ter a certeza de que quando atirasse colocaria a bala bem entre os dois testículos, sem no entanto desejar que o infame morresse de imediato. Também não queria que ele perdesse a fala por causa da dor que lhe adviria com o furor da bala calibre 38, reservada a ele desde o dia do estupro. No seu entender Gonzaga era uma besta em pele humana sem qualquer merecimento e que, portanto, tinha que uivar de dor quando a força total da sua vingança o atingisse da forma planejada. Quanto mais gritasse mais diminuiria nas entranhas de Cristal o sangramento, a vergonha e o nojo.
Então, assustador, ecoou o tiro seco e certeiro, tanto mais porque apanhou ereto o pênis criminoso, desejoso de mais sevícias hediondas. Enquanto durou a eternidade dos dois ou três primeiros segundos que se seguiram, Gonzaga pareceu apenas assustado como os demais presentes. Não percebera ainda o dreno aberto até o reto e o sangue que lhe empapava as calças à altura do quadril.
Mesmo dominado pelo espanto e pela dor lancinante, Gonzaga ainda viveu os segundos suficientes para perceber que o projétil lhe destruíra quase todo o pênis, dilacerara inteiramente os dois testículos e seguira arruinando uma infinidade de delicados vasos sangüíneos, nervos e músculos, de forma irremediável. Certo de que chegava ao fim golpeado pela mão pesada da vingança implacável que lhe oferecia a um só tempo realidade e dor insuportáveis, aí uivou como a besta que era, repetiu o uivo mas não se mexeu mais, nem os olhos nem os dedos. Foi tombando devagar até bater no colo da morte.
- Essa desgraçada matou a nossa surpresa, ela sabia que o Dr. Gonzaga seria escolhido o novo presidente da Cooperativa Central dos Produtores de Leite do Vale do Caiapó - apontou-a berrando o descontrolado presidente que saía.
-Ela, esta maldita, atirou de propósito no piru dele. Infame, no piru dele não devia - acorreu aos berros um tal vice-presidente, apossando-se da mesma arma, com que disparou uma bala certeira na cabeça de Cristal.
Depois de se aproximar o máximo possível do que sobrou da face da morta,
ainda brandindo a arma, ele esclareceu:
- Ele era o meu homem, sua vaca.
Quando tudo voltou ao controle dos menos exaltados, foram encontradas as duas calcinhas, uma no bolso do Gonzaga bem perto do que sobrou do pênis e outra no corpo de Cristal, deixando escapar pelo orifício estranho uma mecha de pentelhos muito negros. Aí, as explicações já não eram mais necessárias: foram crimes passionais. 




segunda-feira, setembro 22, 2014

CRISE NO COMBATE AO CÂNCER

25 de agosto de 2014 

Luiz Antonio Santini

O GLOBO de 21 de agosto, no editorial "Falhas de gestão na crise da saúde pública", afirma que "é impossível prestar um atendimento 'minimamente razoável' dentro das normas burocráticas e esclerosadas que regem o funcionalismo público". Esta afirmação, com a qual concordamos inteiramente, é a base de todas as tentativas que o Inca vem empreendendo para equacionar a situação da instituição.
Criado em 1937, o Inca é responsável pela prevenção e controle de câncer no país, presta serviços oncológicos no âmbito do SUS e tem, desde 1984, atribuições de gerenciamento das políticas nacionais de câncer. Em 1990, a Lei 8.080, ao criar o SUS, define suas ações como referencial de prestação de serviços, formação de recursos humanos e para transferência de tecnologia. Essas competências foram ratificadas por sucessivos decretos e portarias.
Ao longo dos últimos 22 anos, a parceria com a Fundação Ary Frauzino para Pesquisa e Controle do Câncer (FAF), uma entidade filantrópica de direito privado sem fins lucrativos, possibilitou criação de inúmeros programas nacionais voltados à expansão da assistência oncológica no país, ao controle do tabagismo e dos cânceres de colo de útero e mama, à melhoria da qualidade da radioterapia e da mamografia, além da elaboração de políticas específicas para o controle do câncer nos estados e municípios. Além disso, transformou o Inca em coordenador do mais importante tratado internacional de saúde pública, a Convenção Quadro para o Controle do Tabaco, e possibilitou ao Brasil ser detentor do terceiro maior banco de doadores de medula óssea do mundo.
Todas essas atividades agregaram um repositório inestimável de conhecimento especializado aos profissionais em atividade no Inca, possibilitando sua reconhecida excelência na assistência oncológica. Permitiram também a geração de competências para desenvolver e monitorar políticas públicas específicas, formar profissionais especializados para assistência, pesquisa e ensino e o surgimento de inúmeras inovações nas ações de controle do câncer. Como resultado, tornaram o Inca possuidor da única pós-graduação em oncologia avaliada com grau de excelência pela Capes.
A partir de 2006, por determinação do TCU, a parceria com a FAF vem sendo progressivamente descontinuada, comprometendo de forma importante os resultados alcançados. Já perdemos mais de 800 profissionais e temos um prazo até abril de 2015 para demitir os 583 restantes no contrato com a FAF. A perda de pessoal especializado sem a existência de mecanismos autônomos de reposição coloca a instituição em risco de perder sua capacidade operacional e de geração de resultados para o SUS. Não se recupera o estoque de saber acumulado nas instituições com a mera substituição de pessoas, especialmente nas profissões de saúde em que é necessário o desenvolvimento de um longo e laborioso processo de interação.
 O Inca não tem personalidade jurídica própria e depende de decisões do governo federal, que tem sistema rígido e lento de reposição de pessoal. Há um grande descompasso entre as necessidades dinâmicas da área de recursos humanos e as ações esporádicas e demoradas para suprir essas necessidades. Os concursos públicos não têm sido efetivos por não considerarem a necessidade em termos de números, das atividades a serem executadas e da experiência necessária. A direção geral do Inca é totalmente adepta do mecanismo do concurso público. No entanto, os concursos realizados em 1995, 2005 e 2009, que levaram à nomeação de mais de 1.500 concursados, não solucionaram o déficit de pessoal existente por não cumprirem o que foi anteriormente mencionado.
Inúmeras instituições de características similares às do Inca dispõem de estrutura que lhes permite, dentro da esfera pública, ter os mecanismos de gestão de que necessitamos. Basta lembrar o modelo do Sara Kubitschek e o da Embrapa.
Ao longo destes anos, realizamos inúmeros estudos com o acompanhamento dos ministérios da Saúde e do Planejamento, que, em tese, concordam com a necessidade das mudanças reclamadas pela instituição. No entanto, na prática não ocorreu encaminhamento concreto algum do assunto.
A nosso ver, o que mais faltou, até o momento, para resolver o problema é maior e mais aprofundado conhecimento dos desafios postos para o Inca e para o controle do câncer, além do enfrentamento de outros interesses envolvidos.

Luiz Antônio Santini é diretor-geral do Instituto Nacional do Câncer (Inca) 
Fonte: O Globo

segunda-feira, setembro 01, 2014

UMA PALAVRINHA SOBRE.

c-bernardo2012@bol.com.br
O parafraseado é uma possibilidade sempre ao alcance dos que escrevem para o publico – gosto dele. Winston Chuchill disse que “democracia e velhice por mais lamentáveis que sejam são melhores que suas alternativas”. Para a velhice a morte, para a democracia várias, entre elas o horário eleitoral.
Já Ulysses, o nosso, Guimarães disse em favor da democracia: “eu tenho ódio e nojo à ditadura.”
"A censura é a inimiga feroz da verdade. É o horror à inteligencia, à pesquisa, ao debate, ao diálogo. Decreta a revogação do dogma da falibilidade humana e proclama os proprietários da verdade."
Verissimo anda dizendo que “os atuais candidatos à Presidência da República são todos iguais perante o William Bonner.”
E nós, eleitores do nosso pobre Amapá, o que dizermos sobre o julgador eleitoral, o doutor Carlos Tork, que estreou no processo mandando fechar de uma sentença só dezesseis rádios e vários canais de televisão? O fez porque sabe bem julgar ou tem que obedecer?
A Constituição brasileira tem por princípios reitores: soberania, cidadania, dignidade humana, valores sociais, pluralismo político. Subjacente diz-nos a mesma Constituição: é livre a expressão da atividade intelectual, artística, cientifica e de comunicação, independentemente de censura ou licença.
Fez bem, portanto, o outro juiz julgador que revogou a medida e restabeleceu assim a boa reitoria constitucional, legal e cidadã, devolvendo ao ar os meios de comunicação censurados. Responda por seus atos e palavras os que agrediram a lei eleitoral, e não todos os funcionários das rádios e televisões atingidos pela caneta do doutor Tork.
Tão tá; vamos pedir aos nossos doutos doutores da lei que estejam com o povo no seguinte: democracia é melhor. Mesmo com o embaralhado processo politico partidário eleitoral setentrional, mesmo com o poder econômico desmandando e mandando, mesmo com o poder executivo escolhendo para o poder judiciário.           



terça-feira, julho 22, 2014

BRIGA DOS DEUSES

Aqui do outro lado do mundo não entendemos direito o por quê de israelenses e palestinos brigarem tanto, atirando misseis uns sobre os outros o dia todo. No fundo não são povos beligerantes, apenas intolerantes e incapazes de construírem mutuamente um tratado de paz. Falta entre eles a competição....

Aqui no Brasil dão-se muito bem um com o outro, ali mesmo na área comercial central de Macapá as lojas de uns são fronteiriças a de outros – não raro palestino manda trocar dinheiro para troco na loja de israelense, e vice versa. Não é difícil vê-los tagarelando um com o outro enquanto esperam fregueses.  

Dias atrás, enquanto se disputava a Copa do Mundo da Fifa, estiveram entre nós os iranianos. Trouxeram uma boa seleção de futebol e torcedores absolutamente entusiasmados com os seus jogadores. Deram um show de convivência com alemães, chilenos, argentinos, holandeses, belgas, franceses, americanos.... croatas, russos, italianos, brasileiros. Os iranianos dançaram, gritaram, brincaram, torceram nos estádios e nas ruas, se divertiram bastante. Depois os que vieram voltaram ao seu país e ficaram aqui os que são de lá, mas que encontraram no Brasil alguma razão para viverem.
Aliás, modéstia à parte, a Copa no Brasil foi realmente um palco onde brilharam igualmente todos os povos que aqui vieram. Não se tem noticia até agora desentendimento serio entre nacionalidades presentes em nosso país nesses belos dias de disputa da Copa do Mundo. No campo de futebol os jogadores competiram no peito e na raça, mas não deixaram um mínimo registro de socos e pontapés.
Pena que não estavam aqui as seleções israelense e palestina com suas torcidas organizadas, teria sido uma excelente oportunidade para unir ainda mais suas enormes colônias de imigrantes que vivem em todos os recantos do Brasil. Aliás, e a propósito bem que a ONU podia cuidar disso: criar aqui no Brasil um torneio de futebol a ser disputado de dois em dois anos entre mulçumanos e judeus. Através do esporte e do modo de vida brasileiro aos poucos conseguiríamos a paz entre esses povos.
A guerra não vale a pena para ninguém, a não ser para os deuses: quando eles brigam as pessoas morrem... inutilmente.

   

domingo, julho 20, 2014

‘A reforma política já chegou’, uma crônica de João Ubaldo Ribeiro



João Ubaldo Ribeiro (06/06/2011)


Suspeita-se na ilha que a propalada operação de safena a que se submeteu recentemente Zecamunista foi na verdade um implante criado pela diabólica medicina da União Soviética, que, quando não mata, como foi o caso de Zeca, injeta tamanha dose de energia no indivíduo que ele sozinho vale por todo um Politburo, coisa braba mesmo, do tempo do camarada Stalin Marvadeza e da NKVD. Não sei se os rumores procedem, mas de fato Zeca, exibindo a cicatriz do peito por trás de uma correntinha com uma foice e um martelo e umas contas de Xangô (quando uma vez eu perguntei a ele que mistura era essa, ele me deu um sorriso de desdém e respondeu apenas que não era materialista vulgar), está mais elétrico do que nunca. Na hora em que o peguei, ele ainda recebia abraços e apertos de mão pela palestra que acabara de fazer no bar de Espanha, esclarecendo a todos sobre o sistema político brasileiro. Infelizmente, perdi a palestra, mas ele, muito modestamente, me disse que não tinha sido nada de mais.
- Foi o bê-á-bá – disse ele. – Comecei pela questão da soberania.
- Ah, sim, a soberania popular. Todo poder emana do povo, etc., isso é muito bonito.
- Bonito pode até ser, mas não é verdade. Foi isso que eu disse a eles. Expliquei que soberania é o direito de fazer qualquer coisa sem dar satisfação a ninguém. E quem é que aqui tem o direito de fazer o que quiser, sem dar satisfação a ninguém, é o povo? Claro que não. É, por exemplo, o deputado, que se cobre de todos os tipos de privilégios e mordomias, se trata melhor do que o coronel Lindauro tratava as mucamas e, quando alguém reclama, ele manda esse alguém se catar, isso quando dá ousadia de responder, porque geralmente não dá. Todos eles fazem o que querem e não têm que prestar contas, a não ser lá entre eles mesmos, para ver se algum não está levando mais do que outro, nisso eles são muito conscienciosos. Fiz que nem Marx, botei a história de cabeça para baixo. Não foi o rei Luís XIV que disse que o Estado era ele? Pois aqui não, aqui o Estado é o governo, é grana demais para um rei só, tem que dar para todos os governantes, cada um com seu quinhão. O Estado são eles e é deles, tem que meter isso na cabeça e parar de pensar besteira. Antes de qualquer postura abestalhada, vamos encarar a realidade objetivamente, não tem nada de povo, povo não é nada, tem mais é que botar o povo pra comprar bagulho sem entrada e sem juros e cuidar do que interessa ao País.
- E o que é que interessa ao País?
- Ô inteligência rara, o que interessa ao País é o que interessa a eles. Que todos eles continuem se locupletando numa boa, não tem nada que mexer em time que está ganhando. Você viu isso muito claramente no caso do Palocci, não viu? Não se mexe em time que está ganhando.
- Que caso do Palocci, o caso do caseiro?
- Que caso do caseiro, cara, deixe de ser leso, o caso do caseiro já entrou para as piadas de salão do PT. Estou falando no caso do dinheiro que dizem que ele ganhou por cultivar bons contatos. Você viu, pegou mal, ficou aquele mal-estar e aí o que é que aconteceu? Exatamente isso que você vai dizer, mas deixe que eu digo. Aconteceu que era mais um trabalho para o Super-Lula! Eu vou ter que dar a mão à palmatória, o bicho não é inteligente, não, ele é um gênio, gênio. Você viu como, com dois beliscões aqui e três cascudos ali, ele enquadrou todo mundo e tudo entrou nos eixos? Mas, ainda mais que isso, muito mais que isso, ele fez a reforma política! Ele fez a reforma política e, como se diz nas operações policiais, sem disparar um único tiro!
- Pode me chamar de leso outra vez, porque não entendi que reforma.
- O bipresidencialismo! Dois presidentes, em lugar de um só! E isso sem precisar mudar nada na Constituição, já está aí, já está em operação, não é preciso alterar lei nenhuma, esse cara é um gênio mesmo. É por isso que ela faz tanta questão de ser chamada de presidenta, eles já deviam ter combinado isso desde o comecinho da campanha eleitoral. Presidente é ele, presidenta é ela. Governante é ele, governanta é ela. O entrosamento é perfeito. Ele não suporta trabalhar e aí o trabalho todo de despachar, ler, discutir, assinar etc., ela faz. Das jogadas políticas, dos discursos, das viagens e das mensagens na TV ele cuida. E de mandar sancionar ou vetar o que for necessário, claro. Fica perfeito, como com o casal que não briga pelo pão porque um só gosta do miolo e o outro da casca. Ele criou – e ainda por cima com os votos do otariado todo – o bipresidencialismo, que já veio com ele de fábrica, ele é um gênio!
- E você acha que isso vai funcionar mesmo?
- Já está funcionando. Trouxa será aquele que, querendo coisa graúda do governo, não vá falar com ele primeiro. E mais trouxa será quem o contrariar. Caso perfeito para quem acha que não se mexe em time que está ganhando. Não mudou nada, tudo continua na mesma, só que agora o presidente não apenas conta com uma supergovernanta para cuidar do trabalho chato, como continua mandando, e ainda com a vantagem de ter alguém para levar a culpa, se alguma coisa der errado, pois, como diziam os antigos, a vitória tem muitos pais, mas a derrota é órfã, quem mais sabe disso é ele.
- Zeca, você realmente está muito inspirado hoje. Esse bipresencialismo que você sacou está muito bem pensado, ele continua mandando mesmo e deixando isso bem claro. Mas eu me lembro de você dizendo, antes da eleição, que, se ela ganhasse, em pouco tempo nem mais o cumprimentaria.
- Bem, eu subestimei a governantabilidade dela. E, além disso, beija-mão não é bem um cumprimento.

terça-feira, julho 15, 2014

DISTANTES DA PAZ

c-bernardo2012@bol.com.br
Os habitantes de Israel e da Palestina parecem habituados às batalhas e às bombas, mas isso não importa nada depois das explosões. Sobram crianças e adultos mortos aos pedaços, horrorizando o resto mundo com imagens de prédios e até quarteirões inteiros no chão, e debaixo dos escombros centenas de pessoas, dezenas de cadáveres.
De vez em quando vem desse palco macabro imagens fantasticamente renovadoras da fé na vida e na perfeição que é a espécie humana, na medida em que crianças estão sendo resgatadas sob esses escombros depois de dias sem água e comida e com pouco oxigênio para respirar. No mais das vezes respirando um ar contaminado pelo processo de decomposição dos cadáveres em volta.
Dois dias atrás assistimos pela televisão o resgate de um bebe com poucos meses de vida, uma coisa emocionante que até faz a gente chorar quando finalmente salva a criança saúda o mundo chorando como se estivesse saindo da placenta materna.
Acho que o mundo inteiro se alegrou com isso, e desejou vida longa àquela criança.
Homens duros, marcados pela guerra, soldados alguns, aparecem no vídeo vasculhando ruínas até mesmo em busca de alguma fotografia que lhes fique como lembrança material da esposa e filhos mortos e sepultos sob aquelas montanhas de cimento e aço.
Essa guerra sem fim que travam Israel e Palestina tem que razoes irrefutáveis, que ponham de um lado e outro dois povos donos de países transformados em altar por causa da dor, e em templo por causa da fé no futuro.
Nunca soube nada sobre Israel ou Palestina, dos seus guerreiros, dos seus gênios, poetas, cientistas, desportistas, artistas de qualquer arte. Mas, sempre ouvi falar dessas e outras batalhas cheias de muitas renuncias e sacrifícios que nem sempre triunfam, mas que ao final purificam.
Olhando o Oriente Médio pelos olhos dessas guerras, mas com a suavidade do rosto do recém-nascido que encontrou o resgate depois de dias da tragédia, é possível descobrir na guerra povos parecidos com o oceano agitado que encanta e afronta e com um lago quieto que de repente deslumbra e transborda.
Porém, vendo agora aquela gente posta nas ruas a espera de outros misseis, ou por causa das consequências de tantos outros que já chegaram ao seu destino, admite-se que pais, filhos, parentes, amigos, israelense e palestino de alguma forma, pelos longos dias à frente não podem mesmo pensar em nada concretamente, não terão palavras bem ordenadas, ficarão vazios de sonhos, aparecerão na televisão para o resto mundo com o semblante opaco, sem auréola na fronte. Tudo uma pena, um desperdício de vidas preciosas.
Pode ser que não chegue a um sequer daqueles irmãos orientais, um par de sapatos, um mísero quilo de arroz frutos da solidariedade do povo brasileiro apenas porquê a Israel e Palestina estão  plantados onde nos parece terminar a terra, e o Brasil onde se acredita começar o céu. Tudo isso é possível, e, pode até não importar nada que o seja. Eles são guerreiros, as crianças são treinadas para a guerra, se acostumaram com a guerra e por isso, continuarão a guerra.
Mas, palestinos e israelenses saibam que os brasileiros conhecem bem o peso das tragédias humanas sociais e econômicas que se abatem sobre eles por causa de intolerância histórica entre si.
Contudo, temos solidariedade, fé no futuro, braços para o abraço  e um desejo incontido de que encontrem a paz,  conforto espiritual e consigam recapturar a alma de sob tantos escombros.
Outra vez aparece a sensibilidade poética de Fernando Pessoa: “...Tudo vale a pena se a alma não é pequena. Quem quer passar além do Bojador tem que passar além da dor...”.