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quarta-feira, janeiro 27, 2016

MONTANHAS DA MINHA INFANCIA


c-bernardo2012@bol.com.br

Sinto que errei deixando passar depressa e atoa os anos da minha infância, não querendo ouvir o que me gritavam as montanhas a um tempo escondidas no embaçado das nuvens rebaixadas, noutro disfarçadas pelo nevoeiro, ou tantas vezes desaparecidas atrás de outras persianas cênicas da minha cidade – chuva e tempo.
Gozado, em criança me imaginava imortal, nunca gastaria os cinquenta ou sessenta anos que teria à frente.
Cícero bem disse antes de Cristo: “Visto que não podemos viver muito, façamos ao menos alguma coisa para demonstrar que vivemos. Há homens que viveram como se não tivessem vivido, e seus filhos também, depois deles...”.
Quanto a mim, mil infâncias viveria sobre as estreitas várzeas de Volta Grande - cheias de pastagens bovinas e equinas e homens pastores - estendendo-se a perder de vista. Belezas da minha infância essas planícies cercadas a leste, oeste, norte e sul pelos pés enormes das montanhas imutáveis, muitas delas erodindo para formar mais planície.
Nunca foram adversarias essas montanhas e essas planícies, que ainda lá estão - quando uma desmorona toneladas de terra em deslizamentos é a outra que se expande.
Tive tempo de fazê-lo e no entanto nunca cavalguei o topo das montanhas milenares, silentes, guardiãs de Volta Grande. Mas, alvissaras, respirei com elas o ar antes que se fizesse vento a correr e rodar e subir as encostas e ir ventar em Recreio, em Estrela Dalva em Além Paraíba... sem nunca voltar. Ainda não era tempo de saber que ventos ventavam ali.
Nunca gostei do vento, ainda não gosto mesmo que sejam do Japão, Austrália, Java, Chile, Buenos Aires, da África, da China, de seca, de inundações, de poeira, de navegação marítima e aérea, ventos cegos, ventos túmidos de tão boas ou pesadas chuvas, ventos de frio, de calafrios - começa com ele os vendavais.
Todavia, infante e livre, brinquei com vento, botando nas alturas as minhas pipas, algumas vezes levadas a assistir a vida nos bairros, nas fazendas, outras vezes simplesmente espiando as pessoas em suas casas.
Vê-se, muita importância tinham os ventos da minha aldeia, mas que importância tinham? Nada sabíamos de polinização, de erosão, de energia  nem quanto lhe cabia nos incêndios dos pastos, nos redemoinhos medonhos que elevava a grandes alturas as cinzas de depois do fogo.
“Óh! Minas Gerais, quem te conhece não esquece jamais...”.
Tive e perdi esse universo mais central do mundo - é o topo nu dessas montanhas que primeiro o Senhor vê quando olha para baixo, não há gelo como no Himalaia escondendo-as dessa inspeção divina.
Vivo de escrever para recuperar lembranças do tempo passado, afinal sou velho e descuidado proprietário da eternidade das montanhas que me permitiram nascer sob seus pés, embora tivesse que viver vigiado pelos seus olhos, eu e a cidade.
Não sei quais deuses estabeleceram tratados sobre essas montanhas da minha infância - Prometeu, Hercules, Pã e quaisquer outros trocariam a Grécia por Volta Grande? Mas há deuses para elas.  
Quando existi com essas montanhas – as da Glória, as da Piedade, as da Pedra Branca, as da Usina, as do Retiro – conheci seguidamente o silencio. Vivi feliz ali, cedo aprendi que o volta-grandense sempre é capaz de pavimentar caminhos com fatos e fantasias. As marcas de tão vasto cordão de montanhas são agora mais do que antes infinitas paisagens da minha alma. É possível que esteja nelas a minha imortalidade – queira Deus que dure para sempre.
Não sei quantos mais sentem igual prazer em viver ou por ter vivido ali, quanto a mim foi essa a síntese da minha vida: calmas travessias, porém, uma travessia para cada calma.




sábado, janeiro 23, 2016

PROFESSORA YEDA DE ARAÚJO PORTO.


c-bernardo2012@bol.com.br

De vez em quando passo mal, momentos em que não tenho sido capaz de evitar pensar que a vida possa estar chegando ao fim. Ontem passei por mais uma noite assim, mas não toda escura.  
Quando assim sempre me vem à cabeça a lembrança dos meus professores – é o desfile da própria vida diante da vida que tenho hoje. Talvez alguns não ressurjam, mas no geral lembro um por um, cada qual com sua época, com as marcas que deixaram em mim.
Graças a Deus eles são uma “infinidade”. Para um só aluno, são infinidade sem aspas: Aparecida Torres – Yolanda Marques – Tereza Rios – Clélia Lamim – Lalá Furtado – Maria José Nazar – Mariinha Maciel – Lilllian - Marisa Guedes – Maria José Abreu -Vania Aguiar – Aparecida Aguiar - Lélia Andrade - Pontes – Ir. Celina – Ir. Ivone – Ir. Antonieta – Ir. Luiza – Ir. Emereciana – Ir. Dirce - Ir. Dilce - Ir. Cornélia – Ir. Teresinha – Nilza Cavalcante – Adriano Peraclio – Moita – Mathias – Ivan – Emetério – Mariano – Deyse – Iracy – Angela – Arthur – Marlene – Duzi - Bruno Carbocci - Ercilio - Roberto L. Bonfin - Rodholfo Caniato – Celso Monerat – Arnaldo Bittencourt – Olymar Bittencourt – outros e outras tantas.
Cada um deles e todos eles foram modulando novas vidas que sabiam que estavam à minha frente, como de fato o foi. Mas, ainda não citada, um desses professores, no caso uma professora, fez marca profunda em minha vida: Yeda de Araújo Porto.
E foi assim: esteve comigo por pouco tempo, apenas ao longo dos quatro anos em que convivemos nas respectivas obrigações do ensino primário no Grupo Escolar “Capitão Goday” – quatro breves e longos anos. Não me lembro de aula ministrada por ela a mim, mas não me lembro de outra Diretora que não fosse ela nesse período.
A Prof. Yeda era uma diretora muito rígida e em momentos, temida. E era uma mulher bonita, alegre, elegante, educada, que, portanto, não devia ser temida. Mas era., e não só por mim.
E foi por fazer-se temida que deixou em mim a melhor marca que a escola conseguiu impingir-me. Não teria eu saído a coisa melhor sem isso, me conhecendo como conheço sei que sem os limites que ela a mim determinou outros caminhos na vida teria tomado – todos com sinuosidades perigosas. Gosto muito da Professora Yeda por causa dos limites que ela me impôs – na marra.
De uns anos para cá ela caiu doente, como eu tem câncer no intestino. Em 2013 foi quando a vi pela última vez, na igreja, em julho quando estive em Volta Grande, nossa cidade, mais uma vez em férias. Ela estava bem, mas percebi que queria colocar distancia entre si e pessoas não assíduas em suas relações de convivência. Mesmo assim nos dissemos de uma conversa mais amiúde em sua casa, o que até hoje não ocorreu.
Varias vezes intentei chegar a ela, por terceiros ao seu redor mandei recados dessa minha intenção. Depois de pouco mais não desisti, mas resolvi que deveria observar com cuidado o seu direito à privacidade - especialmente eu que conheço na alma e no corpo as “exigências” que faz o câncer de intestino. A Professora sofria!
Ela já passou dos 80 anos, não sei como vive, mas desejo que o venha fazendo de forma suportável, sem grandes sacrifícios. Não sei que homenagens lhe chegam, mas me alegraria com ela se viesse a saber que isso não lhe falta. Afinal, ao seu tempo, erro não há em dizer que um povo inteiro foi seu aluno – logo, há um povo inteiro na condição de seu ex aluno.
Como disse, ontem estive mal, outra vez submetido aos rigores da doença, mas com ela em meus pensamentos., aliás, melhores pensamentos. Como a revi ontem virtualmente, gostaria de revê-la pessoalmente. Nada que lhe suceda quanto ao câncer ela pode me esconder, a não ser seus pudores de mulher. Mas, ela sabe e também eu, grandes professores não têm sexo, ou melhor, gênero.
E revê-la não depende apenas de sua autorização, há também entre nós uns cinco mil quilômetros de distancia geográfica a vencer até que nos coloquemos ao alcance de alguma mesma sombra. Mas – viva a modernidade – há também a internet, essa que pode imediatamente levar a ela essas minhas palavras de desejo. Palavras e intenções que ela pode transformar em homenagem ou não. Além da internet existem pessoas que podem convence-la de pelo menos ler o que acabo de escrever. Aliás, eu não, minhas mãos não...meu agradecido coração.    


terça-feira, janeiro 19, 2016

FUI HIPNÓLOGO DO PRESIDENTE


c-bernardo2012@bol.com.br

Quase todos os dias vejo o terço final do Encontro, sou o cozinheiro da casa, enquanto a comida vai se aprontando mantenho um olho nas panelas e outro na Fatima - hoje esteve lá um hipnólogo.
Toda vez que vejo um como aquele a frustração se estampa, muda minhas feições deixando à vista a imagem de um sujeito que quis ser e não conseguiu. Sinceramente, quis ser um hipnólogo, e se o tivesse sido quase tudo no Brasil seria melhor. Acreditem, nem Dilma teríamos.
Assim. Um dia estive por quase uma hora em companhia do Presidente Lula, lá na Fortaleza São José. Ali mesmo o teria hipnotizado com os seguintes comandos: dê um passo atrás e me abrace com intimidade. 
Ao fazê-lo estaria ao meu comando, caso em que lhe ordenaria legalmente: esqueça a Dilma, tire-a de sua mente. Dar-lhe-ia dois tapinhas falsamente gentis nas costas, com isso tirando-o do transe. Pronto!
Em lhe conhecendo a mente e sobre ela o que eu poderia comandar, mais adiante, após o cerimonial que na Fortaleza São José fora cumprir, quem sabe na hora do drinque, daria ao Presidente Lula novos comandos, primeiro estalando os dedos diante dos seus olhos, acima do seu nariz:
-Desmonte o mensalão e o petrolão., esqueça sem tão cedo relembrar os nomes dos operadores desses esquemas.
Só isso. Com o mesmo estalar de dedos devolveria o presidente ao mundo real, dos vivos, dos trabalhadores (sem trocadilho) e tanto ele quanto eu seguiríamos nossos caminhos como se nada tivesse havido.
Quer dizer, quase isso. Eu faria incursões de hipnoses na mente de alguns chefes institucionais aqui na terrinha, tudo em favor do nosso pobre Amapá. Todos eles seriam induzidos a medidas que não os ligassem ao cotidiano policial. Seria minha cota de civismo.
Quanto a mim, hipnólogo agora sim experimentado, passado na casca do alho, teria vida mais fácil. No balcão do banco faria com que endinheirados transferissem à minha conta quantia suficiente. Nas passarelas de beleza plantaria encanto por mim numa e noutra modelo, de sorte que não precisasse suspirar pelos cantos a namorada que deixei de ter.
Mais uma vez decepcionado comigo mesmo ouvi alto e bom som o tal hipnólogo dizer diretamente à Fatima Bernardes, âncora do Encontro: Não é qualquer um que pode ser hipnólogo, exige-se para tanto uma conexão especial de neurônios.
É pena, eu hipnólogo o Brasil inteiro viveria outra realidade....sem Dilma sem mensalão sem petrolão, sem isso sem aquilo aqui mesmo em Macapá. E eu já teria dado a volta ao mundo dos meus sonhos.

quarta-feira, janeiro 13, 2016

TELEFONE E SOLIDÃO

c-bernardo2012@bol.com.br


Lurdes estava só e solitária na sala de quimioterapia quando a encontrei hoje. Já, algumas vezes, havia encontrado aquela sala vazia, mas nunca ocupada e funcional com apenas uma paciente. Ela trata um câncer de mama desde de 2010.
A solidão é própria de cada um de nós, a exceção é saber estar sozinho em meio às multidões que nos cercam - quando solitários estamos no nosso inferno. E quanto a isso, o poderoso telefone celular de hoje, que também já vai sendo próprio de cada um de nós, só participa para agrava-la.
Ocupei a cadeira quimioterápica ao lado dela e nos pusemos a conversar sobre os nossos passos do diagnóstico até aqui. Ela não sofre ou não reclama de sofrimento, recompôs a mama afetada, a esquerda, e se sente bem, se acha e está bonita.
A certa altura, ela quase despachada da jornada de hoje e eu a iniciar, disse-me:
-Foi bom ter chegado para me fazer companhia, já estava para chorar!   
-Mas, chorar por que?
-Ainda a pouco chegou uma mensagem me avisando que meu primo, 34 anos, no Ceará, faleceu. O câncer para ele foi fulminante. Tão novo! Estava tão bonito! Não durou um ano.
Depois, ao receber um telefonema local, respondia dando a entender que não teria mais a carona para retornar à casa, mas daria um jeito, arranjaria os 50 centavos que faltavam para inteirar a passagem do ônibus.   






terça-feira, janeiro 12, 2016

RIO DE JANEIRO: APOSENTADORIA DOS ANIMAIS DE TRAÇÃO.

c-bernardo2012@bol.com.br
A notícia de hoje, 11/01, é a mais interessante do Brasil por pelo menos mais de dois motivos e se refere a cavalos, burros e jumentos – dias atrás disse que de pensar morreu o cavalo, agora poderia dizer que enfim prevaleceu o pensamento do burro.
A notícia interessante é que nesta data a Lei Nº 2727/2014 foi sancionada pelo governador do Estado do Rio de Janeiro, depois de regulamentada. Proíbe no âmbito do Estado do Rio de Janeiro, a utilização de burros, cavalos e jumentos em quaisquer situações de transporte de cargas, materiais ou pessoas. Excetua os animais utilizados como instrumentos de carga e transporte em áreas rurais.
A Lei chama de fretamento, que também proibiu, o ato de carregar, transportar, alugar, nestes casos, charretes, carroças e demais tracionados por animais, assim como o transporte de pessoas e materiais como entulhos, lixos, mobiliário, ferragens, quando utilizados para tanto o trabalho de cavalos, burros, jumentos e demais animais considerados de carga. Em fim chegou o “13 de maio” para esses animais.
Como em todas as vezes que me alegro, fui ruminar com a parelha de cavalo e burro que há anos ouço e tanto tempo admiro. Já os encontrei ponderando sobre a “Abolição da Escravatura” para os colegas cariocas e fluminenses:

-Nós burros temos direito a um bom porre hoje, mas são vocês cavalos quem devem pagar a conta.
-É provocação de libertos?
-Absolutamente, é história. Nos idos de 1857 o Bond chegou ao Rio de Janeiro, Sta. Teresa, nós já estávamos lá – burros e cavalos – mas quem fomos nós os escolhidos para puxa-lo. Morro acima morro abaixo, debaixo de pancada. E vocês, cavalo, carregando nas costas um cavaleiro, às vezes dois.
-É, mas no velho oeste americano éramos nós no tiroteio; nunca vi burro lá!
-Voltando ao Rio de Janeiro, com os bondes e os burros, quinze anos depois chegaram os bondes elétricos e com eles a ilusão de que também chegara a aposentadoria. Que nada, fomos para as carroças. Duas ou três vezes mais pancadas, pior e menos comida, com a decrepitude ganhamos as ruas onde morrer abandonados. E vocês, cavalo, estavam nos autódromos, exibidos, galopando e comendo torrão de açúcar.
-É, mas no Nordeste tínhamos que galopar entre espinheiros na vastidão das caatingas.
-Voltando ao estado do Rio de Janeiro, com a cana-de-açúcar e os burros, criaram as carroças duplas, tipo trem de dois vagões. Aumentaram muito a distancia desde o fim dos canaviais até os pátios das usinas, puseram nas mãos dos carroceiros aqueles terríveis chicotes longos, de estalo.
-É, mas no estado do Rio de Janeiro, em Petrópolis e Paquetá entraram em uso as charretes e as carruagens puxadas a cavalo. Triste ver as filas imensas de pessoas esperando embarque, do nascer ao pôr do sol, todos os dias, pior nos fins de semana. 
-Pois é, e mesmo assim, sem a solidariedade de vocês, cavalo, nós, burros, também tivemos que puxar essas charretes e carruagens.
Mas, o mundo não para. Cento e dezesseis anos depois temos a nossa lei abolicionista sancionada no Rio de Janeiro e depois de tanto ainda veio excetuando os animais utilizados como instrumentos de carga e transporte em áreas rurais.    
-É, mas essa lei está mais para burro. Nós, cavalo, temos o destino da bala, da pancadaria, da truculência, não fomos isentos do trabalho nas cavalarias militares no Brasil., o que não se faz cavalgando burros.
-Pois é cavalo, unamo-nos. Do Chuí ao Oiapoque outros vinte e seis governadores precisam nos dar o nosso treze de maio...ó Lucius!
É querer demais, dessem-nos o fim da espora, do chicote e ferraduras de borracha já seria bom. Depois sim, a lei, mas sem exceção.

domingo, janeiro 10, 2016

QUAIS AS NOVIDADES?

c-bernardo2012@bol.com.br
A barbearia Itamarati é das tais em Macapá, lá se fica sabendo sobre tudo o que ocorre na cidade. Quando o Fininho passa por lá até do que ainda vai acontecer se tem notícia.
Sujeitinho engomado, ultimamente parecia desmazelado com a roupa como sempre muito limpa e bem passada, mas bainha da calça de uma das pernas descosturada sobrando sobre o sapato, camisa abotoada uma casa acima fazendo ponta sobre a braguilha, o lenço enfiado no bolso da calça embolado eram indícios de que o Fininho era outro.
Mesmo assim prestavam atenção no que dizia, nele nem tanto. Depois que andou defendendo que o elefante descendia da anta a turma começou a achar que ali estava um finório piadista, muito diferente do até então conceituado leva e traz de notícias da cidade...um cronista.
O descrédito começou com a mania sabe-se se lá de onde veio de cumprimentar perguntando:
-Quais as novidades?
A mania esvaziou a imagem do Fininho mensageiro das notícias raras que a cidade gerava de vez em quando. Por causa disso muitas vezes foi visto dentro do papo animado típico da barbearia, mas de pé. Antes, na chegada, Alcino, dono do estabelecimento, lhe arranjava assento apenas com o olhar – o freguês menos gastador ou recém chegado era quem perdia a cadeira para o Fininho.
Quais as novidades? Ora, competia a ele traze-las, contá-las com a graça e jeito que só ele tinha para explicar a notícia. Mais notoriedade conseguia quando defendia a sua novidade de qualquer ataque de descrença.
Desses detalhezinhos surgia o encantador bate-boca que fazia da barbearia Itamarati quase um ponto turístico da cidade de Macapá.  
Desconfiado dessa queda de prestigio, aí sim, novidade que já atravessara ruas e bairros, Fininho entendeu que era tempo de reconquistar o terreno. Conversar em pé no salão da barbearia – algumas vezes tinha até vendedor de cd pirata sentado – e tanto tempo sem que Alcino lhe reafirmasse em presença da freguesia cabelo e barba por conta da casa, foi um golpe certeiro na sua autoestima de meio malandro meio jornalista popular.
Certo dia, antevéspera de feriado prolongado, meteu uma verba na algibeira e rumou para a barbearia. Sem gestos bruscos, mas absolutamente determinado abriu mais do que de costume as duas folhas de vidro da porta única do estabelecimento, deu bons dias para uns a canto de boca a outros com palavras bem pronunciadas, enquanto se dirigia à última das quatro cadeiras pretas dos barbeiros. A Alcino nem deu tanta confiança assim, como se tivesse contas a acertar com o Chicão, o mais cético dos barbeiros quanto às suas novidades levadas a ali:
-Por favor, barba e cabelo., máquina 4.
Devidamente “imobilizado” pela túnica de oficio, branca e sinceramente bem limpa, quase alvejada, ele nem cruzou as pernas longas e magras como de costume. Quando os espelhos lhe mostraram ouvintes suficientes, soltou a “bomba”:
-Os deputados afastaram o Presidente Moisés, nesse momento estão escolhendo um novo presidente para a Assembleia Legislativa.
A primeira reação veio de Chicão (soube-se, aí sim, porque o tinha escolhido para barba e cabelo à máquina 4):
-Cê é doido é? Moisés tem aquela turma no bolso, rapaz!
Enquanto falava Chicão movimentava com a mão direita a navalha muito perto do nariz do Fininho, com a esquerda mantinha a cabeça dele de frente para o seu espelho não deixando, com isso, que frontalmente saboreasse a novidade que entregava aos amigos.
-E vou dizer mais - disse Fininho já dono do movimento de cabeça que quisesse ou precisasse fazer para se valorizar: não foi hoje porque não dava mais tempo, mas amanhã os desembargadores vão extinguir o mandato dele.
Alcino, cá prá nós, sempre atual com as notícias e muito zeloso dos seus interesses fingiu-se despretensioso e perguntou ao cliente que naquele momento recebia de suas mãos a massagem preceptora do barbeado:
-Você acredita nisso, Excelência?
Ao que respondeu alto e bom som o Dr. Edinho, suplente do Deputado Moisés:
-Deus o ouça! Capricha no corte e na barba, quem sabe?!  

sexta-feira, janeiro 08, 2016

DILMA PEITO DE AÇO

c-bernardo2012@bol.com.br

Pimenta não é refresco nem no olho dos outros, tive uma vizinha da pá virada e nunca passou pela minha cabeça arder-lhe os olhos. Isso há muitos e muitos anos, cerca de meio século atrás.
Dona Dilma, lá da Euclides da Cunha, teve sinas na vida, a de morar nas imediações do Bar Rodapé e a de ter um marido como o Tatão, que não chegou a ser um beberrão apesar de todos os dias parar no Roda antes de seguir para casa.
A primeira sina, a de vizinhança com o bar, era destino; a segunda, mulher de Tatão, era fado. Quanto a me ter como vizinho não sei que sina era.
Lá para trás, perdido nesses anos tantos, vizinho de Dilma e Tatão – ela braba como um fila, estive eu ainda imaginando que a mulher alheia sempre era mais braba que a da gente. Erro fatal, não demorou e a excelência das broncas da Dilma no Tatão atravessaram o muro, minha mulher usava palavras dela para reprovar meus pequenos erros.
Tatão era um absurdo, todos os dias parava no Rodapé, tinha compromissos com a mulherada. Pinguço pinguço não era, pé de valsa sim. Bastavam duas ou três lambadas de run ou gin e lá se perdia nos braços das “bailarinas”. Todo dia era isso, já acostumado com o que ouviria em casa nem se importava com marcas de batom, perfume, marcas de dentes no pescoço. Sujeito civilizado que era só se recolhia depois de todo o falatório de Dilma.
Comigo não era nada disso, naquele tempo apenas às sextas-feiras saia para a esbornia, aliás, todas as sextas-feiras. Normalmente escolhia começar o fim de semana longe de casa, Deus me livre de mulher buscar marido no bar. Dona Dilma era escolada nisso.
Dava-se comigo que sexta, sábado e metade do domingo era apenas sexta-feira. O resto do domingo corria à conta do falatório da esposa – invejosa dos discursos da vizinha.
Em compensação de segunda à tarde noite de sexta feira me divertia vendo e ouvindo o pobre Tatão recebendo no rosto a esculhambação de Dilma. Mas, já disse, eu ruminava!
“Mulher é a obra mais bela de Deus, mas faltou pendurar nelas um saco. Precisavam saber quanto custa passar pela vida carregando entre as pernas esse saco pelanca com essas duas bolinhas dentro” – sem trocadilho, é um saco.

Se a mulher também tivesse saco não haveria separação de casal, só união. Não encheria o saco do marido quando voltasse amanhecido para casa (é o sol que às vezes sai cedo), não repararia em batom (sem querer), arranhões (na quina da mesa), perfume (só de pegar na mão), marcas no pescoço (só por apartar briga). Ao perceber o cheiro de bebida identificaria de imediato se pinga, cerveja ou vinho e na proporção do preço pediria dinheiro para a feira... que nunca faria. Mas, encher o saco alheio, não!
Minha mulher parecia ansiosa para se tornar a própria Dona Dilma – gerentona, peito de aço. Decidi antes me mudar dali da Euclides da Cunha, deixar para trás o Rodapé – quase não tinha amigos lá, botar à necessária distancia a D. Dilma muito braba, quase uma lutadora de MMA, por pouco uma “presidenta”. Vingança é coisa doce, antes de me mudar dali resolvi dar uma dura nela: -A senhora se tivesse saco não encheria tanto o saco do Tatão, nem contaminaria os ouvidos das vizinhas.
Ela ouviu tudo isso quietinha da silva - quem tem peito como eu não precisa de saco.   
       

quinta-feira, janeiro 07, 2016

DE PENSAR MORREU UM CAVALO....

c-bernardo2012@bol.com.br
Hoje vi um cavalo, desses que não se sabe como surgem a beira de uma via movimentada, se metem em meio e na frente dos carros e vão indo. Quem quiser que espere por sua vontade. O de hoje, no momento em que o vi parecia pensar coisas sérias – o movimento de cabeça, de orelhas e rabo assim o indicavam. Logo que deu passagem passei, mas não o tirei da mente: o que pensava aquele cavalo?
Sei lá, mas fez-me pensar: A quanto tempo não vejo um burro? E porque de pensar só morre o burro e também não o cavalo?  
Cavalos e burros de hoje são outra coisa., são urbanos, por exemplo. Não são como bovinos e ovinos a ruminar solitários nos pastos, nos estábulos, nos apriscos. São modernos, exigem aplausos nos jóqueis, preferem a beira de ruas e avenidas onde mirar-se em vidraças ou a calha das vias públicas onde empacar impávidos.
Sempre movimentando os maxilares falando para si mesmo ou mastigando cheiros e sabores das saladas coloridas, dos churrascos, das pizzas, dos hambúrgueres. Tem deles que fazem pose para o facebook!
Vivi na roça, conheci impetuosos burros e cavalos, o burro do Sr. Zé Leite e o cavalo branco do Sr. Alvin deixaram-me marcas na lembrança, o Estrelo do Garrinchinha também. É por isso que estranho burros e cavalos de hoje.
Não dão coices como antigamente, pelo menos não li até agora sobre ninguém levado ao Pronto Socorro com marcas de cascos nas ancas. Relinchar relincham, mas com o comedimento franciscano – sem mostrar os dentes encardidos. Furtar furtam, mas que falta faz um feixe de capim verde brotando sobre a cerca baixa de uma casa ou outra? Matar não matam, foi-se o tempo de ver um animal desses desembestado arrastando o cavaleiro com os pés atados no estribo – raro até no cinema de hoje. Caluniar isso não fazem ou nunca fizeram – nem necessário foi ou é, os homens são fartos nisso. Apanhar apanharam e apanham ainda, mas onde já se viu burro pensar e cavalo “ruminar” sobre asfalto impunemente?
Os tempos são realmente outros, lá atrás teria me lembrado de incluir o jumento nessas elucubrações. Lá atrás não acreditaria que vivesse até o tempo de conhecer Spa para cães, gatos, peixes e até para cavalos. Vivem lotados e não são baratos não.

terça-feira, janeiro 05, 2016

ABAIXO O VEGETARISMO.

c-bernardo2012@bol.com.br

Ando me indignando por qualquer coisa, dessa vez com a Organização Mundial para a Saúde. Numa tacada só a OMS desmoralizou a Fatima Bernardes, e mais uma vez o boi e o porco – coincidentemente vegetarianos. Afirmou que seus derivados industrializados são como o cigarro, causam câncer.
Em menor grau de acusação condenou também a comilança de carne vermelha, mas pode tudo isso ter sido dito a favor do bovino, do suíno, do ovino, do caprino e até das aves: a população pode deixar de come-los via derivados - salsichas, bacon, linguiças, mortadela, salames, hambúrgueres, almondegas, fiambres.

Não sei precisar desde quando o humano gosta e não gosta do boi, do porco, da ovelha e da cabra ao molho com batatas, alho, cebola, sal grosso, ou mugindo, roncando, balindo, berrando.
Aqui e ali a cultura religiosa poupa-se a vaca e a porca parideira também, mas não a leitoa. Fazer o que com a mania mineira de pururucar, enfeitar com maçã na boca, rodelas de cebola branca, azeitonas, às vezes até ovinhos de codorna enfiados em palitos?
Particularmente acho que a OMS - por mais que tenha constrangido a nossa Fátima Bernardes - está mais para o mercado do que para a saúde publica, todavia, é cedo para conclusões.
A população mundial, por enquanto, olha bovinamente para a OMS enquanto se pergunta: os vegetarianos bovino, suíno, ovino, aves produzindo carnes cancerígenas? E se vangloria: confiáveis são mesmo os carnívoros: a serpente, o gato, o cão.
É uma mania mundial.


Macapá, jan 2016.

domingo, janeiro 03, 2016

RETOMADA

Faz tempo que não escrevia nesse blog. A razão, uma só: dificuldade de recuperar a senha de acesso bloqueada por motivos que ainda desconheço.
Porém, hoje, resolveu-se o problema. Desanimado com o infortúnio escrevi pouquíssimos artigos em 2015, mas daqui para diante vou tentar escrever um pouco mais...e claro, para os meus leitores.