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quarta-feira, janeiro 27, 2016

MONTANHAS DA MINHA INFANCIA


c-bernardo2012@bol.com.br

Sinto que errei deixando passar depressa e atoa os anos da minha infância, não querendo ouvir o que me gritavam as montanhas a um tempo escondidas no embaçado das nuvens rebaixadas, noutro disfarçadas pelo nevoeiro, ou tantas vezes desaparecidas atrás de outras persianas cênicas da minha cidade – chuva e tempo.
Gozado, em criança me imaginava imortal, nunca gastaria os cinquenta ou sessenta anos que teria à frente.
Cícero bem disse antes de Cristo: “Visto que não podemos viver muito, façamos ao menos alguma coisa para demonstrar que vivemos. Há homens que viveram como se não tivessem vivido, e seus filhos também, depois deles...”.
Quanto a mim, mil infâncias viveria sobre as estreitas várzeas de Volta Grande - cheias de pastagens bovinas e equinas e homens pastores - estendendo-se a perder de vista. Belezas da minha infância essas planícies cercadas a leste, oeste, norte e sul pelos pés enormes das montanhas imutáveis, muitas delas erodindo para formar mais planície.
Nunca foram adversarias essas montanhas e essas planícies, que ainda lá estão - quando uma desmorona toneladas de terra em deslizamentos é a outra que se expande.
Tive tempo de fazê-lo e no entanto nunca cavalguei o topo das montanhas milenares, silentes, guardiãs de Volta Grande. Mas, alvissaras, respirei com elas o ar antes que se fizesse vento a correr e rodar e subir as encostas e ir ventar em Recreio, em Estrela Dalva em Além Paraíba... sem nunca voltar. Ainda não era tempo de saber que ventos ventavam ali.
Nunca gostei do vento, ainda não gosto mesmo que sejam do Japão, Austrália, Java, Chile, Buenos Aires, da África, da China, de seca, de inundações, de poeira, de navegação marítima e aérea, ventos cegos, ventos túmidos de tão boas ou pesadas chuvas, ventos de frio, de calafrios - começa com ele os vendavais.
Todavia, infante e livre, brinquei com vento, botando nas alturas as minhas pipas, algumas vezes levadas a assistir a vida nos bairros, nas fazendas, outras vezes simplesmente espiando as pessoas em suas casas.
Vê-se, muita importância tinham os ventos da minha aldeia, mas que importância tinham? Nada sabíamos de polinização, de erosão, de energia  nem quanto lhe cabia nos incêndios dos pastos, nos redemoinhos medonhos que elevava a grandes alturas as cinzas de depois do fogo.
“Óh! Minas Gerais, quem te conhece não esquece jamais...”.
Tive e perdi esse universo mais central do mundo - é o topo nu dessas montanhas que primeiro o Senhor vê quando olha para baixo, não há gelo como no Himalaia escondendo-as dessa inspeção divina.
Vivo de escrever para recuperar lembranças do tempo passado, afinal sou velho e descuidado proprietário da eternidade das montanhas que me permitiram nascer sob seus pés, embora tivesse que viver vigiado pelos seus olhos, eu e a cidade.
Não sei quais deuses estabeleceram tratados sobre essas montanhas da minha infância - Prometeu, Hercules, Pã e quaisquer outros trocariam a Grécia por Volta Grande? Mas há deuses para elas.  
Quando existi com essas montanhas – as da Glória, as da Piedade, as da Pedra Branca, as da Usina, as do Retiro – conheci seguidamente o silencio. Vivi feliz ali, cedo aprendi que o volta-grandense sempre é capaz de pavimentar caminhos com fatos e fantasias. As marcas de tão vasto cordão de montanhas são agora mais do que antes infinitas paisagens da minha alma. É possível que esteja nelas a minha imortalidade – queira Deus que dure para sempre.
Não sei quantos mais sentem igual prazer em viver ou por ter vivido ali, quanto a mim foi essa a síntese da minha vida: calmas travessias, porém, uma travessia para cada calma.




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