Minha resposta: “Agora estou plenamente livre para fazer as escolhas
principais da minha vida. Nenhuma lamentação a fazer, mas a realidade do câncer
me comunicou com duríssima clareza a palavra inédita que por toda vida esperei
e soube que um dia a ouviria. Estou dizendo do estado de consciência da
fragilidade a que estou submetido quanto a estar vivo ou não logo amanhã”.
Foto: Jornal a Gazeta - Audiencia Pública na Assembléia Legislativa
Palavras de efeito? Impactantes? Tem sim esses objetivos, desde que
fortaleçam a decisão que tomei de me colocar a serviço de alguma coisa maior a
favor de todos os doentes pacientes de câncer no Amapá.
Acredita-se ou credita-se ao câncer pelo menos um bilhão de anos de
existência, a partir de duplicação descontrolada de protozoários. Muito antiga
tem sido a busca da ciência e da medicina por seu domínio e cura consequente. A
medicina avançou muito, lançou luz e muito mais segurança na identificação,
trato cirúrgico e clínico dos cânceres em geral. A rádio e a quimioterapia são
cruéis “diplomas” do muito que a medicina e a ciência fizeram em favor dos doentes
portadores de câncer. É muito mesmo.
Chegaram a mim seus benefícios, fui submetido a tratamento
quimioterápico a intervalos quinzenais de uma a outra seção, cuja aplicação se
prolongava por duríssimas quarenta e seis horas distribuindo seus efeitos necessários
e benéficos em meu corpo. Cada seção uma pedreira, duríssima porque, no geral, me
impunha dores no corpo, esquentamento e dormência nas extremidades dos membros
superiores e inferiores (braços e pernas), alteração drástica dos sentidos,
soluço, pequenos espasmos, defecação descontrolada, seguidas noites sem dormir
e, no plano emocional todo tipo de pensamentos, medos e “planos” me ocorrendo –
quase tudo muito assustador.
Até que chegasse ao final dessa etapa do tratamento foram longas mas
esperançosas quinhentos e cinquenta e duas (552) horas de infusão quimioterápica,
que terminaram em 2012 referenciadas pelas circunstancias de vida e morte do
genial Sr. Steve Jobs, americano, desde 2004 lutando contra o câncer que o
venceu.
Steve Jobs foi protagonista principal da imensa genialidade criativa do gênero
humano em todos os tempos. Sabemos todos que dos seus inventos resultou uma
histórica partilha de épocas da humanidade: antes e depois das suas maquinas.
Tudo ele fez de grandioso na medida do que imaginou e por isso fez-se muito
rico, merecidamente.
Certamente tinha ao seu alcance a melhor medicina do mundo, e
complementarmente podia privar da amizade ou do convívio dos grandes cientistas
do mundo... mas foi vencido pelo câncer que o acometia.
O que, então, podemos imaginar os que estamos doentes de câncer nessa
“periferia” nacional que é a Amazônia brasileira, especialmente nós no Amapá?
Em que medida nos tem o país, desconsiderando a obvia e severa vigilância que
nos impõe quanto à conservação florestal, animal e ainda timidamente sobre o
uso que fazemos da água? Quanto a isso, existimos.
Nosso pobre Amapá!, tudo aqui é muito esforço para superar carências. Emblematicamente
não se consegue, há anos, dar funcionalidade ao elevador do Hospital Geral, que
conduziria os doentes aos leitos da Unidade de
Assistência de Alta Complexidade em Oncologia - UNACOM, onde se acha
instalado o único serviço publico para aplicação de quimioterápicos em todo o
estado. Nunca se fez e ainda hoje não se faz radioterapia oncológica no Amapá. Nosso
pobre Amapá!
Muitas outras necessidades são presentes e paralelas à luta que cada um de
nós trava contra a doença instalada. É preciso reunir forças e lutar contra o
sistema predominante, sonhar com dias menos opressivos: a luta é dura, mas é a
luta.
Por isso mesmo não nos permitimos o pessimismo, estado de espírito que não nos cabe de jeito nenhum. Inegável, no
entanto, o pavor que nos causa esperar, esperar, esperar quando esperançar é o impositivo
que mais precisamos ter ao alcance.
Agora estou melhor, são passados dois anos do diagnóstico e cirurgia, já
posso dizer que muito me valeu essa espantosa experiência que me levou a
constatações que podem e devem ser superadas imediatamente., eis algumas delas:
o poder publico no Amapá tem que enxergar as nossas limitações, admiti-las como
realidade e não culpa, e obviamente enfrentá-las com o objetivo de ampliar
atendimentos proporcionais ao avanço da doença, eficiência do atendimento médico
hospitalar e bem estar dos pacientes.
Oferecer, facultar aos doentes comprovadamente carentes cuidados
acessórios quanto a, pelo menos, pronta doação de portocasht (cateter de
infusão que durante pelo menos cinco anos precisará de limpeza mensal ao custo
de 180,00), agulha de punção especial, bomba de infusão, auxilio alimentar
especial, transporte residência/hospital/residência para consultas,
quimioterapia, exames complementares, e até mesmo reparos residenciais para os
que estão submetidos a submoradia, especialmente quando sem banheiro interno.
É fácil imaginar o que sofrem os doentes que habitam áreas alagáveis,
sobre palafitas, recorrendo a privadas toscas instaladas distante da casa, de
uso coletivo e de difícil acesso durante os longos períodos chuvosos anuais,
especialmente durante as noites.
Em termos de conscientização coletiva já podemos dizer que avançamos –
estamos chateando de tanto falar em câncer. Contudo, o assunto já entrou em
discussão no âmbito da Câmara de Vereadores de Macapá, no Tribunal de Contas do
Estado e principalmente na Assembléia Legislativa. Não é pouco, mas precisa ainda
ganhar prioridade nos balcões do Ministério Público e da Justiça, sempre,
essencialmente sempre entendendo que não temos tempo para esperar.
Ainda sofro os rigores da doença e consequências do tratamento, mas
estou bem. Não diria maltratado, mas curtido pelo sofrimento e pela convivência
com tantos outros doentes (muitos dos quais já falecidos) me sinto mais livre para
fazer mais escolhas: decidi que devo e posso ser um bom cidadão por causa da
doença.
Aos poucos vou deixando para trás meus lazeres, entre eles a presença
física nos acontecimentos culturais que tanto prazer me trás, também vou
compreendendo o direito dos meus filhos e netos às suas próprias vidas, sem a
influencia pesada do meu dia a dia em suas decisões, assim como me vejo
“pacificado” quanto a ausências de tantas pessoas antes próximas- é natural.
Mas com isso ou por isso me junto de corpo e alma aos que sofrem de
mesma dor, mas que não podem se expressar como agora faço e como ontem fiz, pronunciando-me
em seus nomes na Tribuna da Assembléia Legislativa.
Falei e estou falando como um deputado ao Amapá e ao Brasil dessa nossa dolorosa
e desafiadora realidade. Ainda que não eleito falo por eles sempre acreditando
que haja alguém a nos ouvir...enquanto é tempo
Acredito que
haja alguém a nos ouvir .....enquanto é tempo.