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quinta-feira, setembro 29, 2016

CÃO, MÚSICA E CHINA.

Saí à rua hoje por dois motivos muito especiais, caros para mim – ver e ouvir minha neta Jéssica e meu neto Vili cantando a Missa que se celebraria no auditório principal do prédio novo do Ministério Público em honra de Nossa Senhora de Nazaré que por lá peregrinaria, e abraçar o amigo que ao fim da manhã embarcaria para a China com promessa de retornar ao Brasil assim que possível.
Mas entre deixar o portão da casa e chegar aos locais desses objetivos dei com um cachorro estirado meio morto meio vivo numa calçada, contigua ao posto onde podia abastecer o carro. Não era tanta a gasolina que requisitei ao tanque, medida que tenho para a certeza de que foram poucos os minutos que tive para botar os olhos e alma naquele cachorro – nem pequeno nem grande, nem sujo nem limpo. Sofrido como ele só.
Fui-me do posto, lá adiante estacionei quase indevidamente o carro, dei com a portaria e os rigores da recepção cuidadosa da qual e para ninguém o Ministério Publico não abre mão, para em segundos me ver refestelado numa das dezenas de cadeiras poltronas do auditório, dali a pouco capela ou igreja para Nossa Senhora.
Nas quatro primeiras fileiras dessas cadeiras, à direita de quem entrava, estavam os músicos repassando os cantos litúrgicos da cerimonia, entre eles os meus netos. É uma experiência acalentadora para a alma ver e ouvir netos cantando, tanto que fiquei ali fora do mundo em que a santa peregrinava sem pressa alguma e nenhum compromisso com a hora combinada pelo cerimonial, e não ela.
O coral ensaiava como que cantando para mim em desagravo ao adiantando da hora sem padre e santa no altar, que seria mesmo a enorme mesa de serventia àquela sala de reuniões públicas na casa dos fiscais da Lei. Ao enlevo, tendo eu tanta coisa para ruminar ao som de vozes tão especiais, veio-me de volta o cachorro, o potinho de ração e a cumbuquinha de água ao lado, a coleira folgada e suja no pescoço, e o fio nem barbante nem corda prendendo-o na grade, nada disso, no entanto, impedindo que dissesse o que me disse, e que agora me voltava com muita nitidez:
“Pode ser que por minha culpa, mas não vejo porque terminar minha vida desse jeito: corda, ração, água fresca, gente passando, olhando, respeitando, condenando, corpo fraco, ossos ardendo, vista turva, mas nem um outro cachorro a quem possa confiar minhas ultimas palavras....ou rosnados, ou latidos.
Andei por aí virando lixo, outra hora mordendo pneus dos carros em baixa velocidade, em bando atrás de cadela no cio, mas que cachorro em liberdade não fez isso? Não me lembro ter mordido nenhum humano, embora tenha sim rosnado com raiva para uns poucos deles, mas quais? Àqueles que de porrete nas mãos quiseram vir a mim apenas porque fiz pequena menção de me aproximar do irmão que eles tinham bem banhados, escovados, coleirinha delicada no pescoço, essas coisas. Portanto, nenhuma ameaça....aviso de cachorro.
Verdade seja dita, vez ou outra....minto; muitas vezes entrei sim em igrejas, cachorro gosta de sons de sinos, órgãos, corais, cheiro de incenso. Que mal cometi que não seja latir na hora errada no lugar certo? Mas, palavra de moribundo, cantava latindo porque não sabia faze-lo na linguagem humana. É pecado tão grande assim, que me dê por sentença essa calçada e essa corda?
Digo sinceramente, abertamente, corajosamente: cachorro não é burro para teimar indefinidamente. Não há padre ou pastor nesta cidade que possa agora, nos meus estertores, acusar-me de ter feito cachorrada em sua igreja seguidamente. Não sou burro, tenho sentimentos, discernimento  – não que os asnos não os tenham. Mas, nunca fui cachorro suficiente para me oferecer para pontapés tantas vezes num mesmo lugar, ainda que igrejas!
Por ultimo, pergunto a mim mesmo, qual de nós está metido nessa história de petrolão, Lava Jato; quem dos homens com tanta manifestação nas ruas gritou a nosso favor exigindo para já direitos para os cães de rua? Quer saber? Deixa...........”
Padre Rosivaldo iniciou a Missa, que foi do inicio ao fim marcada por belos cantos, muito fervor e devoção à Maria de Nazaré porque outro lugar não há onde haja mais veneração a ela do que no coração do amazônida.
Dali fui às pernas do amigo que já alçava voo para a China, aonde há o costume de não deixar cachorros às calçadas, antes leva-os aos temperos e panelas.

terça-feira, setembro 13, 2016

A SURRA NO MINEIRO(*).....

Nunca tive tanta vontade de mandar dar uma surra em alguém, como esta semana. Ocorre que o César Bernardo, conforme faz anualmente, tira suas férias. Afinal, ninguém é de ferro. O César, junto com a mulher dele, Consolação, reúnem uma penca de netos, mais os filhos, Fernando e Danilo e se mandam pra Volta Grande, aprazível e bucólica cidadezinha daquelas serras mineiras, a meio caminho de Itaipava e Petrópolis, no Rio de Janeiro.
Pois bem. Quando ele regressa, sempre traz uns litros de excelente cachaça e um pacote, dos grandes, daquela linguicinha mineira que, aliada ao leitão pururuca, ao torresminho, aos queijos e àquelas garotas bonitas faz de Minas Gerais um Estado abençoado com progresso, trabalho e bem-estar de sua gente.
Quanto à surra, o César – não sei por que – cismou de dar mais uns ajustes na linguiça que trouxe. Colocou folhas verdes e uns gravetos, pendurou tudo no alto da chaminé e acendeu a churrasqueira. A fumaça serve para defumar carnes diversas, como é sabido, desde a fundação de Roma.
O problema foi que o César esqueceu que o calor depura a gordura e esta, naturalmente, cai sobre as brasas e eleva as chamas. Ele também não raciocinou nada, colocando toda a quantidade que trouxera de Minas. A tragédia estava escrita.
Para completar a desgraceira, o César saiu de casa, a fim de atender chamados lá no PMDB. Ao voltar, só encontrou – disse-me  – um pedaço de três centímetros de linguiça que, milagrosamente, deixou de ser carbonizado.
Foi-se na fumaça, como é óbvio, a alegria anual dos amigos dele, como eu, que sempre recebem uns agrados mineiros. Assim, estando o César gripado, acho que vou adiar a tal surra para depois das eleições.

(*)-Um dos últimos artigos escritos e publicados pelo jornalista Bonfim Salgado. 

quarta-feira, setembro 07, 2016

MUSAS OU MUSOS ? ? ?

Não há exclusividade alguma em escrever croniquetas como venho fazendo quase diariamente, quem o desejar também o fará, mas escrever para valer ou o que venha a valer não é simples e não para qualquer um. É preciso liberdade para fazê-lo, além do gosto e de um pequeno saber, constatação esta que me veio dias atrás quando pensava uma crônica sobre auto postagens de “musas” diariamente no face book.
Fez-me disso constatar o poeta Osmar Junior em uma de suas Cartas Indignas, onde dizia do seu embate atual entre a criação poética e o relacionamento conjugal – as musas da sua poesia e de seu cancioneiro colocavam contra si a esposa. Ele falando dela e ela entendo tratar-se da outra.
Ao poeta quanto ao amante tanto vale a musa quanto a mais bela princesa do mundo, simplesmente louvam suas criaturas com os nomes que escolhem a cada uma, em nada importando quanto de realidade haja nisso. Sonham e vão compondo suas Teresa, Ana, Maria, Clemens, Sonia, Dalva, Marilda, Augusta...enchem livros, começam e não terminam romances, fazem versos, poemas inteiros, e sequer estão falando de personagens de carne e ossos. São suas musas, pertencem-lhes e pronto.  
Sempre assim, inegável que as mais belas musas foram apenas inventadas pelos versos dos grandes poetas apaixonados, enamorados!  Tanto a um, poeta, quanto a outro, enamorado, é bastante, então, que pensem e creiam na formosura de suas musas, que se acreditem participar de seus pensamentos, que são procurados por elas na solidão de suas noites.  É o quanto basta, aos que criam suas musas segundo suas fantasias e desejos e as fazem as mais belas princesas do mundo ,,,,, nada importa o que pensem a respeito.
Na atualidade desses nossos dias nos vemos, quase todos, diante do face book, a todo instante, focados em caras e bocas e poses de muitas mulheres – várias delas nossas musas do passado - pedindo um comentário elogioso, que só lhes chega por outras mulheres – com as exceções obrigatórias. De uma para outra se vê em profusão as expressões de sempre: linda! Lindona! Arrasou! Poderosooosa! 
Por que, nem o marido nem nós outros postamos lá e para elas o que vai à cabeça? Aí está porque também me alinho aos que advogam que não há liberdade total onde chafurdar os escritores, como alertou Osmar Junior em suas Cartas Indignas. Como trazer o passado ao presente sem causar constrangimentos às que são hoje esposas, ainda namoradas, outra vez amantes, e que ontem foram nossas musas de versos e fantasias?
Caro Osmar Junior, no distante século XVII um grande poeta disse em defesa dos poetas todos: “Meus erros foram erros de amor, portanto, não toques minhas feridas que já são por elas mesmas doloridas demais; meus erros foram somente os teus”.