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terça-feira, julho 22, 2014

BRIGA DOS DEUSES

Aqui do outro lado do mundo não entendemos direito o por quê de israelenses e palestinos brigarem tanto, atirando misseis uns sobre os outros o dia todo. No fundo não são povos beligerantes, apenas intolerantes e incapazes de construírem mutuamente um tratado de paz. Falta entre eles a competição....

Aqui no Brasil dão-se muito bem um com o outro, ali mesmo na área comercial central de Macapá as lojas de uns são fronteiriças a de outros – não raro palestino manda trocar dinheiro para troco na loja de israelense, e vice versa. Não é difícil vê-los tagarelando um com o outro enquanto esperam fregueses.  

Dias atrás, enquanto se disputava a Copa do Mundo da Fifa, estiveram entre nós os iranianos. Trouxeram uma boa seleção de futebol e torcedores absolutamente entusiasmados com os seus jogadores. Deram um show de convivência com alemães, chilenos, argentinos, holandeses, belgas, franceses, americanos.... croatas, russos, italianos, brasileiros. Os iranianos dançaram, gritaram, brincaram, torceram nos estádios e nas ruas, se divertiram bastante. Depois os que vieram voltaram ao seu país e ficaram aqui os que são de lá, mas que encontraram no Brasil alguma razão para viverem.
Aliás, modéstia à parte, a Copa no Brasil foi realmente um palco onde brilharam igualmente todos os povos que aqui vieram. Não se tem noticia até agora desentendimento serio entre nacionalidades presentes em nosso país nesses belos dias de disputa da Copa do Mundo. No campo de futebol os jogadores competiram no peito e na raça, mas não deixaram um mínimo registro de socos e pontapés.
Pena que não estavam aqui as seleções israelense e palestina com suas torcidas organizadas, teria sido uma excelente oportunidade para unir ainda mais suas enormes colônias de imigrantes que vivem em todos os recantos do Brasil. Aliás, e a propósito bem que a ONU podia cuidar disso: criar aqui no Brasil um torneio de futebol a ser disputado de dois em dois anos entre mulçumanos e judeus. Através do esporte e do modo de vida brasileiro aos poucos conseguiríamos a paz entre esses povos.
A guerra não vale a pena para ninguém, a não ser para os deuses: quando eles brigam as pessoas morrem... inutilmente.

   

domingo, julho 20, 2014

‘A reforma política já chegou’, uma crônica de João Ubaldo Ribeiro



João Ubaldo Ribeiro (06/06/2011)


Suspeita-se na ilha que a propalada operação de safena a que se submeteu recentemente Zecamunista foi na verdade um implante criado pela diabólica medicina da União Soviética, que, quando não mata, como foi o caso de Zeca, injeta tamanha dose de energia no indivíduo que ele sozinho vale por todo um Politburo, coisa braba mesmo, do tempo do camarada Stalin Marvadeza e da NKVD. Não sei se os rumores procedem, mas de fato Zeca, exibindo a cicatriz do peito por trás de uma correntinha com uma foice e um martelo e umas contas de Xangô (quando uma vez eu perguntei a ele que mistura era essa, ele me deu um sorriso de desdém e respondeu apenas que não era materialista vulgar), está mais elétrico do que nunca. Na hora em que o peguei, ele ainda recebia abraços e apertos de mão pela palestra que acabara de fazer no bar de Espanha, esclarecendo a todos sobre o sistema político brasileiro. Infelizmente, perdi a palestra, mas ele, muito modestamente, me disse que não tinha sido nada de mais.
- Foi o bê-á-bá – disse ele. – Comecei pela questão da soberania.
- Ah, sim, a soberania popular. Todo poder emana do povo, etc., isso é muito bonito.
- Bonito pode até ser, mas não é verdade. Foi isso que eu disse a eles. Expliquei que soberania é o direito de fazer qualquer coisa sem dar satisfação a ninguém. E quem é que aqui tem o direito de fazer o que quiser, sem dar satisfação a ninguém, é o povo? Claro que não. É, por exemplo, o deputado, que se cobre de todos os tipos de privilégios e mordomias, se trata melhor do que o coronel Lindauro tratava as mucamas e, quando alguém reclama, ele manda esse alguém se catar, isso quando dá ousadia de responder, porque geralmente não dá. Todos eles fazem o que querem e não têm que prestar contas, a não ser lá entre eles mesmos, para ver se algum não está levando mais do que outro, nisso eles são muito conscienciosos. Fiz que nem Marx, botei a história de cabeça para baixo. Não foi o rei Luís XIV que disse que o Estado era ele? Pois aqui não, aqui o Estado é o governo, é grana demais para um rei só, tem que dar para todos os governantes, cada um com seu quinhão. O Estado são eles e é deles, tem que meter isso na cabeça e parar de pensar besteira. Antes de qualquer postura abestalhada, vamos encarar a realidade objetivamente, não tem nada de povo, povo não é nada, tem mais é que botar o povo pra comprar bagulho sem entrada e sem juros e cuidar do que interessa ao País.
- E o que é que interessa ao País?
- Ô inteligência rara, o que interessa ao País é o que interessa a eles. Que todos eles continuem se locupletando numa boa, não tem nada que mexer em time que está ganhando. Você viu isso muito claramente no caso do Palocci, não viu? Não se mexe em time que está ganhando.
- Que caso do Palocci, o caso do caseiro?
- Que caso do caseiro, cara, deixe de ser leso, o caso do caseiro já entrou para as piadas de salão do PT. Estou falando no caso do dinheiro que dizem que ele ganhou por cultivar bons contatos. Você viu, pegou mal, ficou aquele mal-estar e aí o que é que aconteceu? Exatamente isso que você vai dizer, mas deixe que eu digo. Aconteceu que era mais um trabalho para o Super-Lula! Eu vou ter que dar a mão à palmatória, o bicho não é inteligente, não, ele é um gênio, gênio. Você viu como, com dois beliscões aqui e três cascudos ali, ele enquadrou todo mundo e tudo entrou nos eixos? Mas, ainda mais que isso, muito mais que isso, ele fez a reforma política! Ele fez a reforma política e, como se diz nas operações policiais, sem disparar um único tiro!
- Pode me chamar de leso outra vez, porque não entendi que reforma.
- O bipresidencialismo! Dois presidentes, em lugar de um só! E isso sem precisar mudar nada na Constituição, já está aí, já está em operação, não é preciso alterar lei nenhuma, esse cara é um gênio mesmo. É por isso que ela faz tanta questão de ser chamada de presidenta, eles já deviam ter combinado isso desde o comecinho da campanha eleitoral. Presidente é ele, presidenta é ela. Governante é ele, governanta é ela. O entrosamento é perfeito. Ele não suporta trabalhar e aí o trabalho todo de despachar, ler, discutir, assinar etc., ela faz. Das jogadas políticas, dos discursos, das viagens e das mensagens na TV ele cuida. E de mandar sancionar ou vetar o que for necessário, claro. Fica perfeito, como com o casal que não briga pelo pão porque um só gosta do miolo e o outro da casca. Ele criou – e ainda por cima com os votos do otariado todo – o bipresidencialismo, que já veio com ele de fábrica, ele é um gênio!
- E você acha que isso vai funcionar mesmo?
- Já está funcionando. Trouxa será aquele que, querendo coisa graúda do governo, não vá falar com ele primeiro. E mais trouxa será quem o contrariar. Caso perfeito para quem acha que não se mexe em time que está ganhando. Não mudou nada, tudo continua na mesma, só que agora o presidente não apenas conta com uma supergovernanta para cuidar do trabalho chato, como continua mandando, e ainda com a vantagem de ter alguém para levar a culpa, se alguma coisa der errado, pois, como diziam os antigos, a vitória tem muitos pais, mas a derrota é órfã, quem mais sabe disso é ele.
- Zeca, você realmente está muito inspirado hoje. Esse bipresencialismo que você sacou está muito bem pensado, ele continua mandando mesmo e deixando isso bem claro. Mas eu me lembro de você dizendo, antes da eleição, que, se ela ganhasse, em pouco tempo nem mais o cumprimentaria.
- Bem, eu subestimei a governantabilidade dela. E, além disso, beija-mão não é bem um cumprimento.

terça-feira, julho 15, 2014

DISTANTES DA PAZ

c-bernardo2012@bol.com.br
Os habitantes de Israel e da Palestina parecem habituados às batalhas e às bombas, mas isso não importa nada depois das explosões. Sobram crianças e adultos mortos aos pedaços, horrorizando o resto mundo com imagens de prédios e até quarteirões inteiros no chão, e debaixo dos escombros centenas de pessoas, dezenas de cadáveres.
De vez em quando vem desse palco macabro imagens fantasticamente renovadoras da fé na vida e na perfeição que é a espécie humana, na medida em que crianças estão sendo resgatadas sob esses escombros depois de dias sem água e comida e com pouco oxigênio para respirar. No mais das vezes respirando um ar contaminado pelo processo de decomposição dos cadáveres em volta.
Dois dias atrás assistimos pela televisão o resgate de um bebe com poucos meses de vida, uma coisa emocionante que até faz a gente chorar quando finalmente salva a criança saúda o mundo chorando como se estivesse saindo da placenta materna.
Acho que o mundo inteiro se alegrou com isso, e desejou vida longa àquela criança.
Homens duros, marcados pela guerra, soldados alguns, aparecem no vídeo vasculhando ruínas até mesmo em busca de alguma fotografia que lhes fique como lembrança material da esposa e filhos mortos e sepultos sob aquelas montanhas de cimento e aço.
Essa guerra sem fim que travam Israel e Palestina tem que razoes irrefutáveis, que ponham de um lado e outro dois povos donos de países transformados em altar por causa da dor, e em templo por causa da fé no futuro.
Nunca soube nada sobre Israel ou Palestina, dos seus guerreiros, dos seus gênios, poetas, cientistas, desportistas, artistas de qualquer arte. Mas, sempre ouvi falar dessas e outras batalhas cheias de muitas renuncias e sacrifícios que nem sempre triunfam, mas que ao final purificam.
Olhando o Oriente Médio pelos olhos dessas guerras, mas com a suavidade do rosto do recém-nascido que encontrou o resgate depois de dias da tragédia, é possível descobrir na guerra povos parecidos com o oceano agitado que encanta e afronta e com um lago quieto que de repente deslumbra e transborda.
Porém, vendo agora aquela gente posta nas ruas a espera de outros misseis, ou por causa das consequências de tantos outros que já chegaram ao seu destino, admite-se que pais, filhos, parentes, amigos, israelense e palestino de alguma forma, pelos longos dias à frente não podem mesmo pensar em nada concretamente, não terão palavras bem ordenadas, ficarão vazios de sonhos, aparecerão na televisão para o resto mundo com o semblante opaco, sem auréola na fronte. Tudo uma pena, um desperdício de vidas preciosas.
Pode ser que não chegue a um sequer daqueles irmãos orientais, um par de sapatos, um mísero quilo de arroz frutos da solidariedade do povo brasileiro apenas porquê a Israel e Palestina estão  plantados onde nos parece terminar a terra, e o Brasil onde se acredita começar o céu. Tudo isso é possível, e, pode até não importar nada que o seja. Eles são guerreiros, as crianças são treinadas para a guerra, se acostumaram com a guerra e por isso, continuarão a guerra.
Mas, palestinos e israelenses saibam que os brasileiros conhecem bem o peso das tragédias humanas sociais e econômicas que se abatem sobre eles por causa de intolerância histórica entre si.
Contudo, temos solidariedade, fé no futuro, braços para o abraço  e um desejo incontido de que encontrem a paz,  conforto espiritual e consigam recapturar a alma de sob tantos escombros.
Outra vez aparece a sensibilidade poética de Fernando Pessoa: “...Tudo vale a pena se a alma não é pequena. Quem quer passar além do Bojador tem que passar além da dor...”.



segunda-feira, julho 14, 2014

A DOR É UM PEDIDO

c-bernardo2012@bol.com.br
Hospital é lugar triste, mas também de aprendizado muito intenso e inesquecível, embora nem todas as pessoas que passem por um deles tenham a devida sensibilidade para ler nas vidraças e ouvir das paredes a canção da verdade que vibra ali dentro sem parar. Não sou esse primor de sensibilidade, pessoa mais a favor dos outros que as demais, menos ainda alguém que tenha nas prateleiras a receita da santidade... nada disso, só fui ouvir a verdade dos hospitais quando a dor impôs o silencio suficiente aos meus ouvidos quase mortos.
A primeira verdade do meu hospital: o desejo profundo de sair dele. A segunda verdade: o medo de não sair dele. A terceira verdade: os anjos de Deus moram aí dentro. Quarta e mais assustadora dessas verdades: alguém ali gravemente internado está no inferno terrestre.
Quando me hospitalizei gravemente, e foi essa uma única vez, suportei dores infernais, pedi a Deus que me mantivesse ali apenas para aliviar meu sofrimento, e mergulhei em escuridão anestésica apenas com o rosto do meu filho Fernando gravado na mente – os outros filhos, os netos, a esposa, mãe, pai, irmãos, demais familiares e amigos emergiram também no escuro do meu sofrimento.
(quando naufrago no Canal Carapaporis – Costa Atlântica Norte Brasileira – também apenas o rosto do Fernando me socorreu nas aguas).
Pois bem, hospitalizado e conduzido a UTI conheci lá dentro o horror por que passava um conhecido ator de peças publicitárias que pedia aos gritos que terminassem com a sua vida. Embora meio morto meio vivo escutei aqueles gritos durante as setenta e duas horas que passei ali.
Quando transferido de volta a um apartamento hospitalar meu corpo estava enrijecido já por tantos dias sem alimento e sem defecação e por isso doía muito. Porém lucido compreendi de pronto que minha dor era infinitamente menor do que aquela que tirava do ator a capacidade de encenar um triunfal retorno à vida.
Daí em diante minha vida foi um incerto entrar e sair em hospital oncológico de sete em sete dias (consulta medica + quimioterapia) até que seis longos meses se esgotassem. Quando pude passei a frequentar o hospital em socorro de companheiros que quisessem nos receber em visita simples, além das minhas necessidades de paciente.  
Ontem, novamente hospitalizado, fiz companhia a uma mulher que transparecia sofrer o sofrimento dos sofrimentos. Gemia, chorava, gritava, pedia pelo amor de Deus que saísse daquele estado. O marido, homem calmo e atencioso, cobriu-a de carinho até que a dopassem., depois veio conversar comigo.
Primeiro perguntou o que me prostrava ali, depois disse que estava cansado, que sua mulher era diabética, amputada, cardíaca, dependente de três aplicações de hemodiálise por semana, hipertensa. Um de seus filhos, residente lá região oeste do Amapá também é diabético e já quase não tem mais visão alguma.
Senti um grande respeito por aquele homem, nem um milímetro de pena. Percebi que também ele consegue ler nas vidraças e ouvir das paredes a canção da verdade que vibra dentro dos hospitais. Quando nos despedimos disse-me a enorme generosidade daquele gigantesco pequenino homem: Deus vai lhe devolver a saúde.
Engasgado olhei dentro dos olhos dele, beijei-lhe a fronte, apertei bem forte suas mãos e saí.