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domingo, outubro 26, 2014

WALDIR BOUID


 

 

RODOVIA BELÉM-BRASÍLIA. UMA EPOPEIA COMPOSTA POR DOIS MÉDICOS: JK E WALDIR BOUHID*

                      Sérgio Martins Pandolfo**

  “Posso dizer que médico sou e serei – "Tu es medicus in æternum" – até o final de meus dias”. Juscelino Kubitschek de Oliveira em seu livro “A Marcha do Amanhecer” (1962)

           A Rodovia Belém-Brasília, que está prestes a completar o cinquentenário de abertura, teve uma trajetória de verdadeira epopeia entre a decisão e a concretização dos sonhos de dois homens notáveis: Juscelino Kubitschek e Waldir Bouhid. A determinação e o arrojo marcaram a personalidade desses dois gigantes como já a seguir se verá.
           No início de 1958, o Presidente Juscelino Kubitschek reuniu, no Palácio dos Leões, em São Luís do Maranhão, os Governadores da Amazônia e do Nordeste bem como os dirigentes de órgãos federais para comunicar-lhes sua decisão de construir a Nova Capital da República, cuja inauguração já havia adrede fixado para o dia 21 de abril de 1960.
           Após a exposição do Presidente Juscelino, a respeito das obras infraestruturais de transporte e comunicação planejadas para proporcionar condições de desenvolvimento à nova capital, Waldir Bouhid, Superintendente da SPVEA, verificando que o Pará estava fora do projeto global, fez ver que, sem uma rodovia interligando a capital paraense ao planejado Distrito Federal, este nada significaria para Belém, naquela época com ligação direta com o Rio de Janeiro, sede do governo federal, apenas por meio de navios e de aviões.
           O engenheiro Regis Bittencourt, Diretor Geral do DNER, consultado no ato por Juscelino sobre a viabilidade técnica da construção de uma rodovia entre Belém e Brasília, abriu o mapa do Brasil e, assinalando o enorme trecho de floresta virgem, disse ser humanamente impossível à engenharia nacional realizar obra daquele vulto, no prazo de dois anos. Tentava-se “pôr a água da razão no vinho puro da sabedoria divina”, a redizer São Boaventura. Sem se dar por vencido, Waldir Bouhid lançou o desafio: “Presidente, não sou engenheiro rodoviário, sou médico sanitarista. Entretanto, se Vossa Excelência conceder-me os meios, a SPVEA construirá essa rodovia para ser inaugurada juntamente com Brasília”. Tomado de surpresa - e maior firmeza - o diamantino JK concluiu: “Pois então, senhores, começaremos amanhã!”.
           Em 19 de maio de 1958, Juscelino sancionava o decreto nº 3.710, criando a Comissão Executiva da Rodovia Belém-Brasília – RODOBRÁS, vinculada à SPVEA e presidida pelo seu Superintendente.
          Transformada em meta prioritária do governo Kubitschek, a construção da rodovia foi subdividida pela RODOBRÁS em três setores: Goiás, Maranhão e Pará. O trecho de Goiás coube ao engenheiro agrônomo Bernardo Saião, pioneiro do desbravamento do norte goiano, que viera a morrer tragicamente em pleno serviço, a 15 de janeiro de 1959, esmagado pelo tombo de frondosa árvore.
           O trabalho de desbravamento da floresta virgem, numa extensão de 500 km entre São Miguel do Guamá, no Pará e Imperatriz, no Maranhão, foi o mais dramático dessa batalha ciclópica contra as asperezas da Natureza, o tempo limitado, a falta de equipamentos adequados e o excesso de chuvas nas épocas invernosas. Os 6.000 homens lançados nessa magnífica obra de integração nacional operavam, na fase inicial de desmatamento, basicamente com machados, terçados, facões e pequenas ferramentas de uso manual, ademais da determinação e bravura.
           Longe dos momentos de tristeza causados pelo desaparecimento trágico do engenheiro Bernardo Saião, do engenheiro paraense Rui Almeida e de outros trabalhadores anônimos, o ponto marcante daquela obra considerada impossível foi a chegada da Coluna Norte da Caravana de Integração Nacional, em Brasília, depois de oito dias de viagem. Bastante emocionado, Waldir Bouhid, comandante da caravana, ao ser abraçado por Juscelino, que estava radiante de alegria, disse-lhe apenas: “Presidente, missão cumprida”.
           No dia dois de fevereiro, houve em Brasília um acontecimento de significação excepcional na vida brasileira – uma verdadeira festa cívica de integração nacional. Brasileiros de todos os quadrantes, partindo de Uruguaiana, Porto Alegre, Belém do Pará, Fortaleza, Pernambuco, Rio de Janeiro, São Paulo, Belo Horizonte, Cuiabá, Campo Grande – para só citar alguns pontos extremos que até então não se tocavam por laços rodoviários – marcaram de modo eloquente um acontecimento histórico: o final da condição de isolamento em que viviam as nossas populações.
           Outro fato bastante significativo: muitos dos integrantes das caravanas eram elementos que não acreditavam na rodovia de ligação Norte-Sul do País. Engajaram-se na coluna como novos São Tomés: queriam ver para crer. De um deles sabemos que estava convencido de que a viagem da Coluna Norte seria uma farsa bem engendrada e que as viaturas e os passageiros seriam transportados de aviões de um ponto para outro da selva, onde só existiam os campos de pouso, abertos de 100 em 100 km. Para esse desconfiado foi uma agradável decepção aquele sulco gigantesco na floresta que parecia intransponível...!

Nota
: No alto da página Imagem histórica de fevereiro de 1959:o presidente da República Juscelino Kubitschek (c) visita as obras de construção da Rodovia Belém-Brasília. Waldir Bouhid está um pouco atrás e à direita. O estradão principiava de ser aberto pelos mateiros sapadores

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(*) Texto elaborado a partir de informações e apontamentos fornecidos pela Dra. Clara

Pandolfo, que foi Diretora do Depto. de Recursos Naturais da SPVEA/SUDAM

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