Translate

domingo, fevereiro 10, 2019

O MORRO AGONIZA .... E MORRE

Vivi muitos anos na casa dos meus pais, em Volta Grande, e depois um tempo no Rio de Janeiro. Da minha cidade quase posso dizer que sei tudo sobre seus cenários naturais. Quanto ao Rio pouco ou nada posso dizer porque fui, vi e não pude compreender.
A realidade natural desses dois endereços colocava algo em comum dentro dos meus olhos: os morros urbanos – mais evidentes os do Rio de Janeiro.
Sempre gostei de ler, de estudar e de polemizar – sou um boquirroto. Mas também escrever sempre foi uma válvula de escape para as minhas angustias, duvidas e contentamentos.
O que muito me angustia até hoje no campo dos eventos naturais é o vento, a ventania, o vendaval. Faz-me medroso de tudo e ainda sem resposta para a indagação que um dia me fora feita: o que é o nada?
Andei atoa na vida anos a fio, portanto com tempo para refletir sobre medos e interesses., é dizer: nunca me faltou janela.
E das janelas da casa dos meus pais e depois em outras no Rio de Janeiro via a enxurrada morros abaixo nos dias de chuvas pesadas, vagarosas, longas. Nunca pude evitar a visão de futuro trágica e dolorosa a partir de casebres pendurados nas encostas dos morros e, mais grave ainda, para casebres, casas, prédios e palácios ao sopé desses morros.
Depois o destino me plantou aqui na planura infinda de Macapá – nenhum morro para remédio. O mesmo destino botou a televisão em funcionamento aqui justamente quando eu chegava. E ela, a televisão, reintroduziu em meus olhos essa perigosa realidade: morros – enxurradas – moradias.
Salvo engano, em 2011, na região serrana do estado do Rio de Janeiro, enxurrada, terra e pedras morro abaixo deixaram na lapide mais de seiscentas pessoas - 284 mortos em Nova Friburgo, 267 em Teresópolis, 56 em Petrópolis, 19 em Sumidouro, e 2 em São José do Vale do Rio Preto. Ainda nesse período a televisão começou a mostrar bandidos portando granadas nas ruas de favelas no Rio de Janeiro.
O futuro tinha chegado para confirmar o que eu “via” no passado quando me fixava nesse quadro hoje em movimento. De qualquer janela que se olhe (televisão, internet, ao vivo, mídia em geral), pós cortina d’água, o que se vê? Terra – barro – lixo – paredes – moveis – imóveis – animais – pessoas – carros – arvores – pedregulhos – pedras – rochas inteiras – roupas – documentos ---despencando, voando nos ares.
Depois de tudo vêm as autoridades, os compromissos, os operadores de justiça, cestas básicas, colchões, lonas plásticas, barracas, brinquedos para as crianças. A seguir, o silencio.
É durante o silencio que chega claramente às pessoas atingidas o barulho dos morros e barrancos ruindo, de pedras rolando, de paredes soterrando, de gente gritando, de crianças chorando, de vento ventando, de arvores quebrando-se, de água encachoeirando-se, de desespero ardendo e sufocando almas. Toda resposta no pós desastre é dor, lamentos, lagrimas, desolação.
 O morro, vê-se depois dos sinistros, agoniza, morre, ninguém socorre, o resto suspira derradeiro. O que de pior tem por acontecer está nas mãos da bandidagem, a que domina o topo dos morros densamente habitados: chegará o tempo em que suas granadas vão fazer rolar morro abaixo as imensas rochas soltas ali existentes, cênicas parecendo solitárias.


Nenhum comentário: