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quinta-feira, abril 28, 2011

ÓTIMO ARTIGO

GAZETA DE ALAGOAS.


A violência silenciosa e consentida


JOSÉ LUCIANO DOS SANTOS *

Assim como há a duvidosa distinção entre drogas lícitas e ilícitas, há também outra classificação, silenciosa, separando a violência em não consentida e consentida. A primeira trata-se da agressão urbana, causadora do repúdio social. A segunda é a violência corriqueira, vista como banal e presente em nossas escolas.

E quando nos referimos aos atos violentos nas escolas, não estamos falando daqueles atos motivados pelo tráfico e uso de drogas - tão marcantes nos dias atuais -, pois este tipo de violência enquadra-se naquela que é reprovada. Estamos aqui tratando da agressão à diferença, da intolerância ao modo de ser e de viver do outro. Em síntese: falamos do bullying. Mas alguém poderia dizer que este também é combatido. Sim, de fato, é. Porém tão somente quando os casos são de extrema gravidade, e com consequências dolorosas. Na maioria dos casos, o bullying nas escolas é permitido de maneira complacente. Tratar o outro como gordinho, baixinho, cabeçudo, “mulherzinha”, “neguinho”, “nerd”, não é combatido como deveria pelos educadores e pela instituição cuja missão é educar para a vida na tolerância e na diversidade. Muitas vezes a questão é abordada como brincadeira de crianças e adolescentes, como se aquilo não causasse dor e revolta nas vítimas.

A escola, como um dos aparelhos reprodutores de ideologia, tanto pode educar alguém ou destruí-lo para sempre. Pode ser um templo do saber, gerador de vida, ou uma masmorra que conserva pessoas condenadas à morte social. A escola concede a vida quando ecoa ideologias provocadoras de verdadeira humanização; condena à morte, quando reproduz preconceitos. Enquanto a violência da intolerância à diferença perpassar sutilmente nossas instituições de ensino, muito atiradores, como o rapaz do Realengo, estarão sendo nutridos como uma fera, que adiante irá devorar inocentes.

Jesus, certa vez, disse que não cometemos homicídio somente quando sacamos alguma arma e tiramos a vida do próximo. Todas as vezes que olhamos o outro como um louco ou um idiota, já o matamos (cf. Mt 5,21s). Wellington, o rapaz do Realengo, portador de transtornos mentais, poderia ter sido diagnosticado e protegido por aqueles cuja função era educá-lo. Pelo contrário, foi sendo assassinado aos poucos, quando ouvia piadas e xingamentos, quando teve sua cabeça colocada em um vaso sanitário e lhe deram descarga. Até o dia em que ele mesmo terminou esse processo, infelizmente levando consigo inocentes.

Nada justifica o assassinato daquelas crianças. No entanto, a tragédia no Rio revela uma sociedade doente, incapaz de enxergar a si mesma, e perceber que a violência silenciosa e consentida fabrica os nossos próprios algozes.

(*) É diácono.



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