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segunda-feira, junho 01, 2020

QUE DEUS POSSA . . . .

César Bernardo - junho/2020

 A já prolongada temporada de isolamento social no Brasil já descambou para a gozação nas redes sociais mais comuns, aqui e ali. Fases e mais frases espirituosas, algumas muito bem construídas a ponto de divertir e dar o que pensar. 
Ontem mesmo me apareceu uma muito bem humorada: “se me perguntarem o que a pandemia me ensinou respondo na lata – lavar louça e arrumar casa”. Conheço bem o amigo que a postou ou replicou de postagem original, também conheci sua mãe e o enorme orgulho de nos apresentar o filho como um grande advogado. Sei que arrumar casa e lavar louça nunca foram itens de sua banca.
É grande a quantidade de tiradas como essa, tanto quanto a lista centenária de mortos aqui no Amapá por a tal Covid19. No dia de hoje já são duzentas e vinte e duas essas vítimas do coronavirus, pessoas nossas, muitas delas perdendo a vida sem a devida chance de preserva-la. 
Na casa das dezenas estão lembranças de pessoas assim vitimadas antes de boa convivência comigo, já nas centenas estão todas essas vidas terminadas a peso de frases curtíssimas, useiras e vezeiras piedosas manifestações de pesar: Deus a(o) tenha – Que Deus possa... – Meus pêsames - - -
Assim, simples assim, desaparecemos. Aliás, assim para os especiais porque para os comuns não se chega nem a isso. Um dia qualquer perguntamos por fulano e alguém responde: “vi falar que morreu, mas não tenho certeza”. 
Estamos perdendo muita gente por causa de Covid19, mas somadas a elas estão os mortos de sempre: outras doenças, facada, tiro, atropelamento, queda de moto, suicídio, afogamentos. De uns dias para cá os que permanecemos vivos morremos por dentro ao ver nossa gente tão importante desaparecendo em dias, veladas em horas, enterradas sós e em minutos. Muitas dessas pessoas viveram ilustremente e receberiam honras fúnebres, mas são desaparecidas rapidamente para que sobreviventes não se contaminem de si.
      Estamos na época das grandes chuvas amazônicas, chove demais e nada mais doloroso do que escutar o som do caixão com a água na cova onde deixamos esses nossos entes queridos. É uma dor que sangra e faz em nada os nossos corações. Cansa tantas noticias de morte sobre alguém que voce está impedido de ver estendido na pedra mortuária. Apenas hoje mais sete dos nossos passamos ao livro do Deus a(o) tenha – Que Deus possa... – Meus pêsames - - -
Diz hoje o mesmo advogado agora craque em lavar louça e arrumar casa: “A vida tem me afastado de tanta gente, que quando pergunto quem vai restar uma voz, lá no fundo, responde: Quem for essencial”.




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