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segunda-feira, fevereiro 08, 2010

NILSON MONTORIL - DIARIO DO AMAPÁ - 07 FEV

Migração de Açorianos


Nilson Montoril*

No dia 11 de abril de 1619, estando Portugal e suas colônias sob o domínio espanhol, uma expedição comandada pelo Capitão Simão Estácio da Silva chegava ao Maranhão. Sob sua responsabilidade estavam 200 casais de açorianos que iriam assegurar a posse da terra recém recuperada dos franceses. O Capitão Simão Estácio, que também era açoriano, criou o go-verno da ilha de São Luiz e foi o primeiro pre-sidente do Senado da Câmara. Quando esse fato aconteceu o povoado de Belém já havia sido criado e em breve tempo passaria a receber imigrantes provenientes das nove ilhas que compõem o arquipélago dos Açores. Os povoados de Caeté (Bragança), Cametá e Gurupá foram instalados nos anos de 1634,1635 e 1639 respectivamente. No dia 29 de março de 1677 atracou no porto de Belém o barco "Jesus, Maria, José" conduzindo 50 famílias de açorianos no total de 219 pessoas embarcadas na freguesia de Horta, na Ilha Faial. A 31 de agosto de 1746, D. João V, Rei de Portugal baixou um edital comunicando aos açorianos que o reino oferecia vantagens aos casais que desejassem migrar para o Brasil. A medida foi adotada porque havia superpopulação em todas as ilhas dos Açores e muita gente vivia à minga, dependendo da caridade popular e da ação social da igreja católica. Em 1648 teve inicio a migração de açorianos para o Rio Grande Sul e para Santa Catarina. Até o ano de 1656 tinham entrado 2.300 açorianos nas citadas capitanias, os quais foram assentados nas margens do rio Jacui. No norte do Brasil, mais precisamente em Belém, que era a sede do governo do Estado do Grão Pará e Maranhão, passou a atuar como governador, a partir de setembro de 1751, o Capitão General Francisco Xavier de Mendonça Furtado, homem rigoroso na execução de suas tarefas. O Rei de Portugal era D. José I e o Marques de Pombal exercia o importantíssimo cargo de primeiro ministro do reino. Mendonça Furtado e o Marques de Pombal, que eram irmãos por parte de pai, iriam ter participação emérita da reforma política e administrativa de Portugal. Tão logo tomou posse no governo, Mendonça Furtado fez um criterioso levantamento para instalar novas vilas na Amazônia. As aldeias indígenas figurariam como povoados. Nos lugares onde elas não existiam, caso de Macapá, o núcleo inicial seria habitado por açorianos. Em 29 de agosto de 1751, desembarcaram em Belém 86 casais de açorianos correspondendo ao total de 486 pessoas destinadas a Macapá. Em 1752, à conta dos termos do edital de 1746, chegavam a Belém vários casais de açorianos totalizando 430 pessoas que seriam encaminhadas a Macapá, Ourém e Bragança. Esse contingente populacional tinha sido embarcado em 72 freguesias do Açores loca-lizadas nas ilhas Terceira, Faial, São Jorge, Graciosa, Pico, São Miguel e Santa Maria. A subvenção oferecida pela Coroa aos migrantes açorianos compreendia: transporte grátis, uma es-pingarda, duas enxadas, um machado, uma enxó, um martelo, um facão, duas facas, duas tesouras, duas verrumas, uma serra, uma lima, uma travadeira, dois alqueires de sementes (27,5 litros), duas vacas e uma égua. Ao homem e a mulher, por um ano, seria fornecida farinha. Filhos com idade entre sete e quatorze anos receberiam quarta e meia de farinha para cada mês. Cada casal tinha direito a um quarto de légua em quadra de terra (272 hectares), para iniciar as plantações. Ninguém receberia salário. Quem produzisse bastante poderia requerer novas terras. Os homens também estavam autorizados a praticar a caça da baleia nas águas do Oceano Atlântico. No momento do embarque, cada migrante recebia oito mil réis de ajuda de custo. Passageiro com mais de 14 anos podia levar cama, arca, refresco, sementes e plantas que quisessem. Receberia duas refeições: feijão e legumes no jantar e carne, toucinho ou bacalhau e arroz na ceia. O navio dava a todos um arrátel (13 litros) de biscoitos por dia. Para os doentes se daria galinha, lentilhas, ameixas e açúcar. A bordo era imposta a presença de um capelão, um cirurgião e um boticário.

O cuidado com o transporte era rigoroso. Os barcos deveriam ser novos e ter câmara e antecâmara para o abrigo das mulheres e crianças. A fiscalização era feita pela Armada Real que exigia comprovada experiência do piloto e conforto pra os transportados. Aos açorianos devemos a utilização culinária do alho, cebola, pimenta do reino, coentro, louro, salsa, cebolinha, alfavaca, banha de porco, beiju, tapioca, cuscuz, polvilho, pipoca e pirão de feijão. A marca mais expressiva da cultura açoriana foi a religiosidade. A festa do Divino Espírito Santo instituída em Portugal pela Rainha Izabel, no século XVI espalhou-se pelo Brasil. Entre nós ela foi conservada pela comunidade afro descendente através do marabaixo. Os açorianos realizavam a festa do Divino para obter a proteção das lavouras e comemorar a fartura de carne, pão e vinho. A Coroa ajudava-os financeiramente para que a tradição fosse mantida. O carnaval, o pau-de-fita, a malhação-de-Judas e as inúmeras danças folclóricas são manifestações culturais que os açorianos nos legaram. No marabaixo temos um hábito que pertencia aos açorianos e que vem sendo mantido pela comunidade da antiga Favela: a mesa dos inocentes. Ela corresponde a uma promessa que consiste em reunir os inocentes para uma mesa, onde são servidos doces, bolos e guloseimas. Cada mesa é feita com 12 crianças com idade inferior a sete anos. Os açorianos eram hábeis na fabricação de canoas utilizando a mesma técnica ainda vista na região das ilhas do Pará, Mazagão e Bailique.

*Professor – Historiador – Escritor – Presidente do Conselho Estadual de Cultura.

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