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sexta-feira, abril 24, 2015

SEMENTE DE DOR

c-bernardo2012@bol.com.br
24 de abril de 2015

Talvez ainda não tenha sido entregue à terra o corpo do Carlinho (Carlos Almeida) – chove muito nesse momento sobre a cidade de Macapá. A cova mortuária foi inundada, ao seu redor a injustiça se soma à dor de todos nós. Rasga, explode, se transforma em nódoa no peito dos pais, do seu irmão, dos seus avós, da sua professora.
O Carlinhos, esse que tanto conhecemos guerreando o câncer que o consumia, foi até onde suportou: morreu dias atrás. Mas, o Carlinho não morreu!
Como morreria se plantou no Hospital Santa Marcelina, em São Paulo, um sorriso que não se apagará? É mortal quem morrendo de dor faz sorrir seu outro pequeno irmão que o acompanha na internação hospitalar?      
Seu avô me disse de como recebeu no hospital os duzentos reais, que alguém daqui mandou para ele. Meteu o envelope com o dinheiro debaixo do braço até o sono e o cansaço faze-lo dormir – “dormiu pensando no videogame que queria”, garante o avô.
Como é possível morrer essa criança que soube disfarçar suas dores para poupar a avó, que não deixou sua cabeceira um dia sequer, mas cancerosa também?
Do seu leito, no hospital, concedia entrevistas à imprensa daqui – ele mesmo dizia de si. Gente forte assim não morre, pelo menos não de uma hora para outra.
E o que dizer desse Carlinho cujo corpo fora pranteado por mais de três mil pessoas, na Missa da Cura, ontem, quinta-feira, na Igreja Jesus de Nazaré, celebrada pelo Padre Paulo? Uma gigantesca carreata, jamais vista em Macapá quase ao final da noite, foi devolve-lo à sua casa, de onde saiu para o hospital ainda caminhando sem ajuda.  
Como afirmar morto alguém cujo corpo inerte e isolado num caixão branco, hermético, faz chorar tanto uma professora? Soluçava e dizia sem parar essa mulher: “fui aluna de sua avó, professora do seu pai, e dele... quando isso vai ter fim”?
Os jovens presentes lá na casa do velório talvez expliquem uns aos outros: “rolou um clima estranho!”. Certo, isso mesmo, mas nos seguintes termos: várias crianças, muitas crianças como o Carlinho, colegas, não faziam o menor barulho. Olhavam-se. Diziam-se.
Talvez duvidassem que o colega estivesse mesmo dentro daquele caixão, sem qualquer comunicação com o exterior. Pensassem, esses meninos e meninas, que talvez o Carlinho reaparecesse na escola já na segunda-feira.
Essas coisas são, digamos, dúvidas, esperança, dor, sentimentos soltos além da alma juvenil. A menininha bem pequena nos explicou isso: “mãe, cadê o Carlinho?”.
Ah! O câncer., outra vez ele protagonista de mais essa cena trágica da vida entre nós aqui no Amapá.
Ora, é imortal uma criança que se dignificou tanto a ponto de fazer chorar os Soldados Bombeiros que lhe foram conduzir ao cemitério. E não só; não pode ser morta uma pequena criança que dá causa aos gloriosos soldados bombeiros militares rodar pelas ruas da cidade conduzindo um enorme caminhão e sobre ele um pequeno caixão hermético, branco, guardando um corpo ainda tenro pela idade, 8 anos, mas diminuído pela agressividade de devastadora doença. Morto não... herói!   
 
Chuvas torrenciais caíram hoje sobre a cidade, desde cedo. Inundaram a cova para o Carlinhos, encharcaram as pessoas no cortejo fúnebre. Triste! Triste mas providencial, porque misturou lagrimas humanas com lagrimas das nuvens que choravam como os bombeiros, como a história ali contada. E tudo porque morto que não era, nesse dia 24 de abril de 2015 o Carlinho foi sendo carinhosamente conduzido como uma semente a ser plantada, e não enterrada no Cemitério São Jose.        
 
      
 



 
 
 
 
 

 
 

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