Translate

quarta-feira, março 18, 2020

CORREDOR HOSPITALAR

Cesar Bernardo - março 2020 - HSLSC 
Curioso estar hospitalizado, o sujeito não se manda, convive com a certeza de que não foi devidamente atendido, não houve barulho do mundo externo, não sabe nada do que está ocorrendo e apesar disso enche-se de gratidão por tudo e todos que não o deixaram morrer.
Inegável que a televisão e principalmente o telefone celular anulam a sensação de vida escassa que antes passeia nos corredores do hospital. Como quem não quer nada entram, tomam espaço num cantinho do leito do paciente, daí a pouco se refestelam no íntimo espiritual já vulnerável de quem não podia mais reagir a tempo de rejeitar a depressão.
Nesses termos a tecnologia melhorou muito o ambiente hospitalar, noutros piorou na medida exata da velha toada das partidas dobradas. É que para o paciente conectado não há segredos de si mesmo, nem questionamento da qualidade do serviço médico ou da segurança sanitária do hospital.   
Importa mesmo que auxiliado pelo Google pelo menos tome parte nos prognósticos, posologias e profilaxias até sugerindo e ensinando, no mínimo corroborando tais encargos médicos e paramédicos com postagens, curtidas, visualizações e comentários de seus seguidores nas redes sociais.
Esse “novo” mundo hospitalar não cede lugar ao devido repouso do paciente. Quanto mais curtido, visualizado e comentado menos dorme, menos se concentra na auto recuperação, recebe mais visitas, menos interage com o “ecossistema” hospitalar. 
Tal sobreposição ao repouso incorpora a visão do dominador força a aceitação, que atua para intervir, modificar. É uma força poderosa que o faz desconsiderar o risco que a permanência prolongada em internação hospitalar sempre representou.
Por esse processo, diga-se, que se rebate para milhares de pessoas em trânsito nos hospitais, pendura-se na fachada dessas casas de saúde um crachá onde se lê as seguintes palavras de advertência: Infecção Hospitalar.
Já de meu turno, useiro e vezeiro de internações, gosto da solidão do hospital. Sei que flutuo nessa atmosfera porque estou doente muito mais que solitário. Nesse ambiente e nessas condições consigo administrar melhor minhas utopias de vida eternamente jovem, a voz interior soa mais clara: voce também é mortal.
Porém, há um ganho em tudo isso que me enriquece sem sobressaltos, qual seja, consigo voltar no tempo batendo minhas próprias asas. Então volto: Infância e adolescência vêm primeiro que o tempo, flor, sol, lua, chuva, tudo parecendo inusitado no mundo. Passos, abraços, ruas, encontros desfeitos no vento, mesmo assim tudo importa, nada importa mesmo junto.
Assim, jovem, ao tempo em que já quase tudo importa, nada é primeiro, nem esperança nem sonho ou silêncio. O sol e a lua brilham mais, encantam além dessa porta, uma profusão de juventude, nuvens brancas, céu azul intenso.
Em me vendo apaixonado, vivo noites de espera - tempo encantador, tudo primeiro outra vez, descoberta que embevece e conforta., tempo de amor, coração a dois, porém, crepúsculo de dor. Só depois dos tempos chego ao tempo d’ouro do amor, porém, cadê sol, lua, chuva, música, luz, flor... nada mais é agora. É na plenitude desses tempos que o hospital me parece agradável.
Contudo, muito me contentaria se agora mesmo comunicassem o meu auto de alta. Ouço bater à porta: Quem bate? É o Coronavirus19! Não adiante bater, não deixo voce entrar

Nenhum comentário: