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sexta-feira, abril 01, 2016

DONA BENTA


c-bernardo2012@bol.com.br 

Sempre mais a dor que o amor leva a gente ao hospital, quando doentes acompanham-nos os parentes e tanto nós quanto eles ali estamos porque dói. Não sei se razão, mas justificativa tem quem não gosta de hospital. Outra vez estive num deles aqui em Macapá e também não gostei nem um pouco de ter ido, mas eu cresço mesmo assim.
Dona Benta está lá, quase em seu leito de morte. Meses atrás, quando o senador Romário esteve aqui quis que ele fosse conhece-la em sua casa, não pelo câncer que a amortecia, mas pela filha Down que tinha sob cuidados com os olhos, com o coração, com os gestos, com as mãos, com a doação que só as mães vocacionadas têm.
O senador mostrou-se interessado em conhece-las, mas não era possível montar o devido aparato de segurança que sua fama de craque mundial de futebol exige ao menor de seus deslocamentos. Não foi, mas soube por mim de sua história.
Fiquei com a Dona Benta enquanto passava os dias, ainda na sexta-feira santa da Paixão de Cristo fui vê-la. Não nos falamos, ela já estava bastante debilitada, esgotada pela luta tenaz contra a doença, mas tinha ainda um corpo em bom aspecto. O que emagrecera os lençóis guardavam aos olhos, mas os braços expostos e espetados de soros e quimioterápicos diziam que ainda tinha massa corporal. Lembro ter chegado em casa e dito no face: "Fui agora a pouco visitar os companheiros e companheiras internadas na Unidade de Oncologia do Hospital Geral, está mal a amiga que especialmente queria abraçar - talvez não mais a veja. Mas deixei a ela uma cruz de São Camilo e pílulas de Frei Galvão...o Senhor pode tudo".
Ontem uma de suas filhas telefonou e me pediu fraldas, mal sabia que assim me dava motivo e força para voltar a ver Dona Benta no hospital.
Ó Deus dos miseráveis, praticamente não é mais Dona Benta quem vi na mesma cama sob lençóis, braços expostos espetados de agulhas, mas com as narinas entupidas de mangueirinhas que trocam oxigênio e gás carbônico para ela, que nem para isso tem forças. Entrei e sai debaixo de chuva do hospital, ora água ora lagrimas.
Hoje faleceu a Dona Benta, outra vez a morte colocou diante de mim a crueldade e a brutalidade, não por si, vez que morrer é mesmo assim, mas pela preciosa utilidade que a mãe Benta tinha para a sua filha Down. Quase nenhuma outra pessoa poderá ter por aquela menina igual compreensão e força protetiva.
Morta sei que está Dona Benta, morreu efetivamente o seu corpo, sem o menor risco de catalepsia. Desde quando a conheci que esse seu corpo vinha morrendo por causa da força destruidora da leucemia. Por amor devíamos ir mais aos hospitais, marcar encontros com tantas Bentas e Bentos alheios que se despedem da vida.   

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