César Bernardo - maio/2020
Junte sua experiencia com o
boteco e faça-me o favor de me dizer se tudo aquilo que viu e ouviu na reunião
ministerial tida e havida no Palácio do Planalto sob a condução do Presidente
da República pode ser chamada de conversa de botequim? Definitivamente não foi.
Promiscuidade em excesso não é permitida no boteco, não se gasta tanto bestunto
assim nem antes e nem depois das brigas. Não se diz tanto palavrão num boteco
porque há respeito pelas damas de companhia dos companheiros presentes. Não se
põe o dedo na cara de ninguém como o fez presidente com os seus ministros – o proprietário
não consente.
Durante anos quase fui assíduo frequentador
de botequins, quase. Hoje me vejo afastados deles por motivo de força maior, e
bem maior. De dez anos para cá o câncer determinou que os deixassem seguir com
seus outros simpatizantes.
Mas ainda posso defender a
linguagem do boteco, a começar dando garantias de que ele tem alma. Mas essa
não me atrevo interpretar e muito menos contestar, por muito superior à minha
capacidade de compreender os meandros de sua comunicação.
Com que roupa me diria
interprete de um boteco um tanto quanto rastaquera, em dado momento com um único
cliente, um sujeito mambembe, totalmente em silencio, bem assentado à lateral de
uma mesa sem toalha no canto mais sombrio da casa e sobre ela garrafas vazias,
uma meio cheia, copo numa mão, cigarro apagado na outra, pernas cruzadas, olhos
fixos na ponta do pé mais erguido, levado a esse cenário boêmio por traição da
mulher amada, adúltera?
Ou por outra, em outro momento,
o mesmo boteco cheio de homens e mulheres alegres, pessoas soltas em
algazarra entregues a seguidos brindes comemorativos, aparentemente por
motivação em proveito de todo o grupo?
É preciso respeito para com os
botequins e muito esmerado cuidado para não ofender sua alma própria e outras
que para ele levam os bêbados, boêmios inveterados, bom vivant, os solitários,
desocupados, poetas, prostitutas e prostitutos. Tem alma sim, o boteco.

Não se grita naquele tom com
colegas de boteco, ontem eram navalhas e punhais hoje as pistolas respondem a
tamanho desrespeito. No boteco, a julgar pelos anos a fio que o frequentei, ninguém
monopoliza a palavra – ou ninguém escuta ou saem todos sem pagar a conta.
Botequim tem alma e regras ou
normas, sei lá o que mais se ajusta. Ali tudo se sabe e se diz, ainda que se
diga e se saiba mal. Também não se deve comparar frequentadores de boteco com a
turma ministerial em questão. Onde já se viu pisotear o “código” de honra de um
boteco esculhambando-o a vis palavrões?
Não é preciso ir adiante para
deixar claro o vazio dos palácios e a alma silenciosa dos botecos. Se mais for
preciso acrescentar que se diga da fidalguia que há nos boêmios, tanta que os
leva todos os dias aos mesmos botecos de suas preferências.
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