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quinta-feira, maio 28, 2020

NADA DE COMPARAÇÃO ...

César Bernardo - maio/2020
Durante anos quase fui assíduo frequentador de botequins, quase. Hoje me vejo afastados deles por motivo de força maior, e bem maior. De dez anos para cá o câncer determinou que os deixassem seguir com seus outros simpatizantes. 
Mas ainda posso defender a linguagem do boteco, a começar dando garantias de que ele tem alma. Mas essa não me atrevo interpretar e muito menos contestar, por muito superior à minha capacidade de compreender os meandros de sua comunicação.
Com que roupa me diria interprete de um boteco um tanto quanto rastaquera, em dado momento com um único cliente, um sujeito mambembe, totalmente em silencio, bem assentado à lateral de uma mesa sem toalha no canto mais sombrio da casa e sobre ela garrafas vazias, uma meio cheia, copo numa mão, cigarro apagado na outra, pernas cruzadas, olhos fixos na ponta do pé mais erguido, levado a esse cenário boêmio por traição da mulher amada, adúltera?
Ou por outra, em outro momento, o mesmo boteco cheio de homens e mulheres alegres, pessoas soltas em algazarra entregues a seguidos brindes comemorativos, aparentemente por motivação em proveito de todo o grupo? 
É preciso respeito para com os botequins e muito esmerado cuidado para não ofender sua alma própria e outras que para ele levam os bêbados, boêmios inveterados, bom vivant, os solitários, desocupados, poetas, prostitutas e prostitutos. Tem alma sim, o boteco.
Junte sua experiencia com o boteco e faça-me o favor de me dizer se tudo aquilo que viu e ouviu na reunião ministerial tida e havida no Palácio do Planalto sob a condução do Presidente da República pode ser chamada de conversa de botequim? Definitivamente não foi. Promiscuidade em excesso não é permitida no boteco, não se gasta tanto bestunto assim nem antes e nem depois das brigas. Não se diz tanto palavrão num boteco porque há respeito pelas damas de companhia dos companheiros presentes. Não se põe o dedo na cara de ninguém como o fez presidente com os seus ministros – o proprietário não consente. 
Não se grita naquele tom com colegas de boteco, ontem eram navalhas e punhais hoje as pistolas respondem a tamanho desrespeito. No boteco, a julgar pelos anos a fio que o frequentei, ninguém monopoliza a palavra – ou ninguém escuta ou saem todos sem pagar a conta. 
Botequim tem alma e regras ou normas, sei lá o que mais se ajusta. Ali tudo se sabe e se diz, ainda que se diga e se saiba mal. Também não se deve comparar frequentadores de boteco com a turma ministerial em questão. Onde já se viu pisotear o “código” de honra de um boteco esculhambando-o a vis palavrões?
Não é preciso ir adiante para deixar claro o vazio dos palácios e a alma silenciosa dos botecos. Se mais for preciso acrescentar que se diga da fidalguia que há nos boêmios, tanta que os leva todos os dias aos mesmos botecos de suas preferências.      

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