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quinta-feira, junho 06, 2013

Diário de Bordo, Macapá Urgente



 Quando a dor de um é a dor de todos, o direito de um torna-se o direito de todos.
                               (Roberto Saviano)


O Instituto do Câncer Joel Magalhães, de Macapá, organizou nos dias 24 e 25 de Maio um evento que teve como tema a história da Fundação Pio XII, com ênfase no trabalho preventivo e experiências fora de Barretos, dando destaque para Porto Velho. O Transplante de Medula também foi um dos temas debatidos.
O cenário caótico no qual se encontra o tratamento oncológico no Amapá motivou o convite para que profissionais do Hospital de Câncer de Barretos apresentassem seu trabalho. Mas o evento não ficou restrito ao auditório. A gerente da unidade de Porto Velho, Raquel de Queiróz Keller, o Gerente de Captação de Recursos Corporativos Domingues Júnior e o responsável pelo setor de HLA em Barretos, Dr. Rafael Cita, tiveram a oportunidade de conhecer de perto aquilo que pode ser chamado de verdadeiro descaso e desrespeito com o ser humano.
Nas fotos apresentadas aqui  está  o registro de imagens que lembram mais um cenário de hospitais de guerra do que unidades de saúde pública.
Os relatos emocionados das famílias, o olhar perdido e sem esperança de pacientes, o estado de abandono dos prédios, o odor de ambientes inadequados, as lágrimas derramadas e aquelas que já ressecaram, a tristeza de uma população que há tempos não consegue entender como é possível receber um tratamento assim, já eram uma realidade viva para o Instituto que organizou a visita da Fundação.
Fundado pelo Padre Paulo Roberto Matias, em abril de 2010, o Ijoma nasceu para denunciar essa situação, apoiar os pacientes para garantir acesso a medicamentos e exames, com atendimento psicológico, odontológico e social.
Mas chegou uma hora que foi preciso dar um grito de socorro. E foi exatamente o que o Padre Paulo Roberto fez, quando visitou o Hospital em Barretos, em abril deste ano. Seu relato emocionado motivou o diretor da Fundação, Henrique Prata, a sugerir a realização do Seminário e a visita da equipe que viajou a Macapá. Ele queria saber mais sobre o abandono e a dor das famílias desamparadas daquela região.
O que se viu na viagem, além das riquezas que a Amazônia tem, a força cultural de um povo batalhador, a culinária rica em sabores e características, é algo digno de questionamentos claros e cobranças destemidas.
Aliás, são cobranças assim que tem feito o Padre Paulo Roberto conseguir dar um pouco de voz aos pacientes oncológicos. É nele que eles tem o seu mensageiro. E foi sua mensagem que chegou até à Fundação Pio XII.
As  manchetes dos jornais, relatando que a saúde não tem estrutura para cumprir a lei do câncer no Amapá, as decisões na Justiça, dando conta de que nem mesmo a unidade de oncologia no Hospital Geral da Capital amapaense pode continuar de portas abertas, e o drama vivido por dezenas e dezenas de pacientes que nem mesmo tem um leito hospitalar para ficar, sendo obrigados a esperar a morte chegar em casa, são o pano de fundo para um cenário que não tem a menor graça.
É drama da vida real mesmo. E é evidente que o Brasil ainda não viu isso. Que o Governo Federal não sabe de tamanha desgraça. Que os responsáveis pelo SUS não identificaram ainda a profundidade que o problema alcançou. Pois se eles já sabem e nada fizeram, estamos vivendo no pior dos mundos.
Basta entrar nos hospitais e unidades públicas de saúde, tirar algumas fotos, ouvir algumas pessoas, para sentir a dor e chorar junto. A não ser que o interlocutor não tenha coração. Como parece ser o caso de muitos que deixaram o tempo correr sem nada fazer.
Uma mulher parou a equipe que visitava a enfermaria oncológica do Hospital Geral. Cuja plaquinha na porta é um improvisado adesivo com esparadrapo. Ao ver que o gerente do Ijoma, Harlan Aguiar, fotografava uma barata no quarto, ela disse que as baratas eles ainda não tinham conseguido matar, mas os ratos sim. Com os familiares providenciando a própria limpeza dos quartos, pelo menos os ratos estão sendo combatidos. Disse numa gravação. Ela não teve medo de chorar o abandono em meio à sujeira. Viver assim não é viver.
Nas paredes o mofo é a cor predominante. Ao lado de algumas camas os ventiladores rodam sem parar na tentativa de acalmar o calor, mesmo com as janelas abertas. Aliás, essas mesmas janelas são compartilhadas por milhares de pombos. Eles dividem o espaço e depositam a sujeira. Sim, estamos falando de um Hospital.
Lá está tudo misturado. A Oncologia até tem um espaço reservado. Na unidade do Unacon. Mas nem ela comporta todos. E ela mesma está na mira do Ministério Público. E com razão. Ali também a humanização passou longe.
O momento de alento foi receber a notícia que um garotinho de dez anos, o Jérson, havia chegado ao Ijoma, depois de passar oito meses em São Paulo, tratando de um câncer no pescoço. Um tumor que o pessoal do Instituto identificou e desencadeou uma verdadeira guerra, com denúncias na imprensa, apelo aos governos, relatos ao Ministério Público, para que o menino fosse enviado para o Santa Marcelina, na Capital paulista. Sua chegada, sorrindo, em processo avançado de recuperação, cheio de vida e energia, foi a resposta que muitos precisavam.
O Instituto Joel Magalhães nasceu para isso. O testemunho do Jérson e de seu pai, dizendo que chegaram a tempo de poder receber o tratamento, mesmo após tanta luta e sofrimento, mexeu com todos. Os que os ouviram no auditório e os que os visitaram num dos quartos do Ijoma.
Aliás, isso merece um texto detalhado e honroso. O Ijoma é um lugar especial. Bem cuidado, cheio de amor, limpo, com parceiros que também acreditam que é possível.
Conta com o amparo e cuidados repletos de amor. Mas nem todos podem ir até lá. E nem o Padre Paulo e seus parceiros podem acolher a todos, dar resposta a todos, olhar nos olhos de todos e chorar todas as lágrimas.
Muito antes de conhecer, e sem saber o que seria registrado no Diário de Bordo da viagem, Henrique Prata já havia falado que a região, pelo que o Padre havia relatado, tem tudo para receber uma unidade preventiva.
Passar pelos corredores do Ijoma é o mesmo que visualizar uma unidade fixa de Prevenção.
Rodar pelos bairros e distritos de Macapá é enxergar uma carreta recebendo gente que até então não tinha um caminho para a cura, uma saída.
E que visualizar o prédio em funções com características da Fundação Pio XII e  enxergar a carreta pelas ruas tristes de Macapá é mais do que um exercício estratégico. É fé mesmo! Aliás, sem ela nada teria sido feito. E é dela que os envolvidos nessa história irão precisar. Andar com fé nós vamos…

O pior inimigo não é aquele que te tira tudo de uma vez. Mas aquele que te acostuma a não ter nada. (Beowulf – herói mitico dinamarquês, citado por Roberto Saviano

Benedicto Domingues Júnior
Gerente de Captação de Recursos
Corporativos Hospital de Câncer de Barretos


       

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