O
que teria a ver tecnologia, gaveta velha e cemitério? Aparentemente são coisas
desconexas, mas só aparentemente.
Reencontrar
amigos, pessoas do passado, sempre me convence de que essa conexão acompanha a
vida de cada um de nós. Televisão, internet, telefone são poderosos
instrumentos para reencontros – é a tecnologia desafiando pessoas e tempo.
A
vida ou historia de vida de cada pessoa é como gaveta velha ou fechada por
muito tempo. Gavetas guardam sentimentos velhos ou demoradamente mantidos lá: o
nosso passado. Mexer nisso não é tão simples, depende do quanto de liberdade
temos para viver hoje e amanhã. Não são tão incomuns passados que condenam.
Gosto
de ler, Jorge Amado sempre está à mão. Em Navegação de Cabotagem o escritor
quase falou dessas gavetas velhas de sua vida, ou do que de sua vida ficou
fechado nelas. Mas, genial, o escritor encontrou uma suave maneira de abri-las
quando quisesse sem que pessoas guardadas ali dentro pudessem feri-lo: criou o
seu cemitério.
“Possuo,
no entanto, um cemitério meu, pessoal, eu o construí e inaugurei há alguns
anos, quando a vida me amadureceu o sentimento. Nele enterro aqueles que matei,
ou seja, aqueles que para mim deixaram de existir, morreram: os que um dia
tiveram a minha estima e perderam.
Quando um tipo vai além de todas as medidas e de fato me ofende, já com ele não me aborreço, não fico enojado ou furioso, não brigo, não corto relações, não lhe nego o cumprimento. Enterro-o na vala comum de meu cemitério, faça o que faça, já não pode me magoar. No pequeno e feio cemitério, sem flores, sem lágrimas, sem um pingo de saudade, apodrecem uns tantos sujeitos, umas poucas mulheres, uns e outras varri da memória, retirei da vida”.
Quando um tipo vai além de todas as medidas e de fato me ofende, já com ele não me aborreço, não fico enojado ou furioso, não brigo, não corto relações, não lhe nego o cumprimento. Enterro-o na vala comum de meu cemitério, faça o que faça, já não pode me magoar. No pequeno e feio cemitério, sem flores, sem lágrimas, sem um pingo de saudade, apodrecem uns tantos sujeitos, umas poucas mulheres, uns e outras varri da memória, retirei da vida”.
Dias
atrás, domingo passado, o Tonico me chamou ao telefone – meu já quase velho e
sempre bom amigo. Ouvindo-o falar ouvia também minhas gavetas abrindo-se
gostosamente. Telefone e gaveta estavam me reconduzindo a um tempo muito bom e,
claro, plantando mais saudade no meu coração.
Sementes
que colhi naquele tempo de nossa convivência trouxe algumas pela vida, ainda no
ano passado falamos profundamente disso Solange e eu, em seu apartamento no
Rio. Muita coisa guardada em sua gaveta velha, doloroso para ela falar de nós
se inseparáveis somos do Cidinho, Sidônio e D. Yolanda, seus entes mais
queridos.
Por
essas e outras o telefonema de domingo me deixou feliz. Só boas lembranças,
belos dias, ótimas pessoas? Sem duvida que sim!
É
que também possuo o meu cemitério, jazem lá todas as agressões que me feriram,
dores que me fizeram chorar e tudo mais com que não quero e nãoposso me
aborrecer.
Quanto
ao meu reencontrado amigo Tonico sei e saibam que ele percorreu interessantes
estradas na vida – família, magistratura, superação fisica, sucesso na atual
vida empresarial. A falta que sentia dele não sinto mais, adoeceu mas se
reequilibrou, ele mesmo me disse que está bem, que o casamento está muito bem,
que as “crianças” já tem asas.
Portanto,
nada que eu diga será mínima inflexão nessa caminhada, contudo quero,
despretensiosamente, sugerir ao caríssimo amigo que não abra gavetas velhas sem
antes construir o seu cemitério. Mal não faz.
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